top of page
  • Instagram
  • Facebook
  • Twitter
  • YouTube
  • Foto do escritor: Pivete
    Pivete
  • 1 de abr.
  • 5 min de leitura


E olha eu aqui de novo, falando de mim, da minha trajetória. Esses últimos dias foram especiais, mesmo com os atravessamentos diários. Alguns de vocês ainda não sabem, mas atualmente moro em outro estado. Não estou mais nas ruas da Baixada Fluminense, ruas que me moldaram e me transformaram em quem sou. E não, não é brincadeira. Não se trata de levantar uma bandeira ou justificar meu lugar, como se precisasse provar que não tive tudo de mão beijada.


Tive que correr atrás, conquistar.

Eu sou de Belford Roxo, Baixada Fluminense, e falo mesmo. Porque é o que sou. Por isso, volta e meia, estou nos stories, com meus “textões”, refletindo, questionando, tensionando uma margem que, se deixar, se normaliza e nos coloca um uniforme, como se fôssemos todos iguais. Mas não somos. Onde eu nasci, muitos de vocês têm medo de pisar.



Muitos de vocês não conseguiriam aguentar, sequer subir o morro, porque a última casa lá em cima é a morada de alguém.

Essas últimas semanas foram de afetos. Como posso falar dela aqui? Acho que posso dizer que esse afeto foi uma das inspirações para este texto. Ela tem esse dom: de ouvir, de falar, de me aquecer, de me entreter, de fazer o tempo passar, de tirar meu imediatismo. De tanta coisa. Mas isso fica para outros textos.


Essas últimas semanas também foram de eleição do Comitê de Vitória – ao qual ganhei. Durante a campanha, contei um pouco da minha história em vídeo, o que me fez lembrar todas as minhas movimentações em São João de Meriti, naquele celeiro político que é o Ciep 175.


Ali, vi tantas potências políticas, aprendi que eu também poderia ser um agente de transformação. Naquele Brizolão, absorvi tanto que carrego comigo até hoje. Outro dia, uma professora relembrou meu primeiro dia na escola que trabalho atualmente, quando contei como os projetos culturais do contraturno se tornaram espaços seguros para mim.



Era um refúgio da violência do meu bairro, da ausência dos meus pais e amigos, do medo da solidão.

Chegou um momento em que eu vivia mais na escola do que em casa. Participava de tudo: cinema, teatro, rádio-escola, grêmio estudantil, monitoria. Ajudava a organizar palestras e eventos, ia até nos finais de semana.


Quando voltei como universitário para falar em uma dessas palestras que anos antes ajudei a organizar, percebi a potência desses territórios na nossa formação. Isso me deu forças para, junto com amigos, anos depois, retornar de outra forma: organizando um pré-vestibular social que colocou centenas de alunos de escolas públicas na universidade.



Hoje, isso é uma rede presente em diversas instituições estudantis e sociais da Baixada Fluminense.

E quando colocamos milhares de pessoas nas ruas de Vilar dos Teles, em São João de Meriti, contra a corrupção que assola a Baixada Fluminense, o comandante da PM veio falar conosco. Tentou intimidar, mas levantamos a cabeça e dissemos: “Nada vai nos parar”. Paramos a cidade, reivindicamos mais saúde e educação em frente à prefeitura. Fomos atacados, oprimidos, dispersados, mas nunca esqueceremos o dia em que gritamos “Basta!”.


Aquele dia foi mágico. Mostrou o poder da mobilização, dos nossos ideais. Mostrou que somos capazes de qualquer coisa quando estamos em rede.


E continuei. Entrei na faculdade, na sexta lista de chamada, sem dinheiro nem para fazer a matrícula. Quase perdi a vaga. Minha avó arrumou R$ 50, fui com ela e consegui no último minuto. Foi a melhor coisa que aconteceu. A UFF foi mais que uma universidade para mim.


Como um afeto me disse certa vez: “Iago, para você, a UFF foi uma mãe.”

E foi, de certa forma. Mas eu me propus a ser um bom filho. Até porque eu precisava daquele espaço. Ou era ali, ou era Belford Roxo, com sua violência e descaso. Sempre busquei reivindicar meu território, mas não pude exercer muita coisa por lá. O risco era imediato. Talvez nem houvesse um aviso antes de acontecer.


Mas antes de ser parte da universidade, precisei encontrar formas de me manter. A entrada é gratuita, mas a permanência custa caro. Paguei com tempo, com insegurança, com fome, com frustração e com minha força. Demorei três semestres para morar perto da faculdade. Antes, eram quase cinco horas diárias de deslocamento entre Belford Roxo e Niterói.



Para vocês terem uma ideia: se eu saía da faculdade às 18h, chegava em casa, em média, às 22h.

Mas e aí? Vai chorar para quem? Você acha que eu podia desistir? Se duvidar, meu caso nem é dos piores. Tem gente que se sacrificou muito mais por um diploma, por uma vida melhor. Porque o CEP já indicava um destino certo, e tivemos que reverter essa lógica, ser o modelo, em busca de nos tornarmos espelho.


Coloquei na cabeça que todos os meus amigos deveriam estar ali. Nada justificava que não tivessem as mesmas oportunidades que eu. E aqueles que lá estavam não faziam ideia de quantos ficaram para trás nessa peneira. Fui atrás disso também. Comecei a pesquisar Cotas Raciais, Políticas Públicas e Relações Étnico-Raciais.



Entrei em espaços que nunca nem imaginaria, debati, fui chamado para palestrar, ajudei a coordenar as comissões de heteroidentificação em todos os campi interiorizados da universidade. Isso tudo na graduação. Depois fui secretário da Assessoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade da Universidade Federal Fluminense.


Participei de comissões de sindicância, fui convidado até mesmo quando já não fazia mais parte da assessoria. Fui visto, lido, elogiado e, nos meus trabalhos, questionei um pouco dessa peneira que quase me impediu de ter essas oportunidades.


Na universidade, descobri o mundo. Descobri que fazia parte dele. Que eu podia mudá-lo, mesmo que no micro. E eu busquei. E acho que consegui. Minhas pequenas ações geraram pequenas mudanças. Algumas, significativas. Aproveitei tudo o que aprendi no Ciep 175 e aprimorei.



Fiz documentários, ganhei prêmios, certificados, viajei o Brasil. Virei Mestre por um dos melhores programas de pós-graduação em Antropologia do país.

Mas tudo isso foi à base de dor, como foi fora também. Houve um momento em que não queria continuar. Me ausentei da academia, fui para São Paulo, entrei no mercado de trabalho, numa agência de marketing industrial. Usei tudo o que aprendi. Agradeço à revista Menó, pois sem ela não teria conseguido o emprego. Mostrei que sou capaz. Fui elogiado. Nas idas e vindas da CPTM, nos vagões lotados, na loucura da Babilônia paulista, provei de novo do que sou feito.



Agora estou no Espírito Santo, em Vitória, num trainee que busca me desenvolver para ser uma liderança na educação. Mas esse desenvolvimento começou ali, em Belford Roxo, em São João de Meriti, naquelas paredes de concreto e aço projetadas por Darcy Ribeiro e executadas por Brizola. Foi lá, naqueles projetos, naquele sopro de esperança, naquele espaço seguro diante da violência que me assustava e assolava.


O MEU TERRITÓRIO ME TROUXE ATÉ AQUI.


Minha força, meus afetos, meus amigos, meus familiares. Foram eles que pavimentaram as estradas, que me ajudaram a desbravar os caminhos. Eles e eu. Porque ninguém faz nada sozinho.


É impossível me render a qualquer discurso que tente ditar quem sou ou para onde vou. Já mostrei, desenhei, expliquei: sou fruto da esperança. Sou menos uma estatística. Represento todos os meus irmãos que não chegaram, que foram impedidos, que ficaram para trás.


EU SOU A PRÓPRIA BAIXADA FLUMINENSE!



Metal e hardcore na Baixada é com ele mesmo. Pedro Santos entrevista o vocalista das bandas Norte Cartel e Marabô, e proprietário do Gato Negro.

Quando comecei a ouvir rock e metal, além de seus derivados, sempre fiz questão de fugir um pouco das referências mais óbvias do mainstream, e conhecia bandas mais relacionadas à cena local. E nessa jornada descobri a Confronto através do clipe da música “Santuário Das Almas”.



Esse clipe hitou na época, passando em diversos programas de videoclipe da época, e ali vi que estava na direção certa, pois ouvir um som pesado e pouco conhecido era a minha praia durante a adolescência.   


Isso com certeza me influenciou a frequentar shows underground, o que me fez conhecer muitas pessoas que estavam nessa mesma vontade de ouvir o que procuravam por si só também.

Eu percebi que uma comunidade se mantém viva até hoje. O irônico é que tive o prazer de entrevistar uma dessas figuras do cenário que é tão importante para a cultura, sobretudo, da Baixada Fluminense.


Norte Cartel ao vivo no Gato Negro. A banda é composta por Dudu Braga (bateria), Chehuan (vocal), Bruno Pavio (baixo) e Daniel Araquem (guitarra).
Norte Cartel ao vivo no Gato Negro. A banda é composta por Dudu Braga (bateria), Chehuan (vocal), Bruno Pavio (baixo) e Daniel Araquem (guitarra).

Um dos cabeças da Norte Cartel, que está na pista há duas décadas, e do seu projeto mais recente, a Marabô, Felipe Chehuan aceitou trocar ideia com a gente um pouco sobre sua trajetória e a respeito do seu estabelecimento, o pub Gato Negro.


Agora ele começou a escrever seus raps lançando o single “Kemet”, o qual contém sua identidade marcante por trás de suas linhas.  Vocês não entenderam errado: estou entrevistando um dos meus heróis dos tempos de jovem. Difícil resumir em palavras o que ele representa para a região metropolitana, até porque, de certa forma, sou fã dele.


E, por outro lado, fiquei com a responsa de extrair o melhor dele nesse “Acorda Pedrinho” de hoje.     


Satisfação recebê-lo aqui na Menó. Queria saber como chegou na ideia fazer o Gato Negro, e qual a origem do nome.


[Chehuan]: Fala, Pedro, beleza? Galera da Menó, um grande abraço. Satisfação enorme estar participando dessas perguntas aqui e tô muito feliz de estar podendo contribuir com a cena da Baixada em especial, que é o meu lugar de origem. Então, vamos lá. A ideia de fazer o Gato Negro surgiu em meados dos anos 2000, quando eu tive com a minha outra banda, a Confronto, na Europa, e por lá a gente fez várias turnês, mais de 200 shows fora do Brasil, e tive a oportunidade de conhecer mais de 20 países e na maioria desses shows foram feitos em pubs na Europa, e isso me mostrou uma ideia muito legal a respeito desse tipo de ambiente, que é um ambiente fechado, pequeno, onde ao mesmo tempo, pode existir a propagação de cultura, de música, de teatro, de atividades culturais no geral. E eu presenciei isso de uma maneira muito intensa em outros países, e desde então eu fui fomentando essa vontade de um dia ter algo parecido no meu território, no lugar onde eu nasci, de trazer e contribuir com a cultura local do lugar onde eu cresci. Então, o Gato Negro veio dessa experiência que tive fora do país, tanto que fomos um dos primeiros, se eu não me engano, o primeiro “pub” da Baixada e já se passaram dez anos. E a origem do nome foi que no início eu tinha uma sócia, que era minha prima que só ficou durante um ano infelizmente, e nós chegamos à conclusão de que o nome “Gato Negro” seria algo muito legal, até por falar de resistência, por falar da noite, é um animal noturno né, que é às vezes endemonizado por muitos pela cor da pele, pela sua cor, e a gente meio que vê quebrando tudo isso de uma maneira positiva. E é isso.


Sabemos a correria que é fazer uma casa de show, ainda mais um pub. Qual é a maior que você pode falar pra nós?


[Chehuan]: Realmente é muito complicado você manter qualquer ambiente comercial onde você lida com pessoas, não é fácil. Qualquer tipo de ambiente comercial já é difícil, ainda mais aquele que você lida com pessoas e existe bebida alcoólica envolvida, né? Tem gente que acha que é muito fácil, que a gente chega lá; acha que tá tudo limpo; que tá tudo organizado; que tá tudo em dia; tudo reposto, mas não é bem assim. A gente tem que acordar cedo, tem que limpar todos os dias; tem que repor todas as mercadorias, tudo que tá faltando; deixar tudo em ordem pra proporcionar pra galera um ambiente agradável, climatizado; do jeito que a gente se propôs a fazer, bem conchegante. O objetivo do Gato é que as pessoas se sintam em casa, né? Essa concepção mesmo de public house, né? E é justamente isso que a gente se propôs a fazer, um ambiente onde as pessoas se sintam à vontade, possam chegar a se sentirem seguras, confortáveis, felizes e possam sair de lá querendo voltar. Agora, é muito difícil, mas não estou aqui reclamando não, foi uma boa escolha e para todas as escolhas existem coisas boas e coisas ruins, né? Tudo tem um preço.



Agora falando de música. Vi que você tá no corre com Norte Cartel e a Marabô. Qual a diferença de uma banda pra outra, na sua opinião? Como você se mantém fazendo hardcore nos dias de hoje? 


[Chehuan]: Eu hoje, neste momento, estou envolvido com o Norte Cartel e a banda Marabô no meio hardcore, né? Eu faço música desde os meus 15 anos. Esse ano de 2025, eu tô completando 30 anos fazendo música, tendo banda, envolvido com na cena punk hardcore, metal, já tive diversas bandas. O Norte Cartel tá fazendo 20 anos ano que vem, de formação, de atividade né... Já tiveram várias formações, e hoje a gente está com três músicas novas lançadas nas plataformas digitais após lançamento de dois discos e um split com uma banda da Argentina. Nós voltamos a gravar e o feedback tá sendo muito bom, a gente tá muito feliz. O Norte Cartel é uma banda que eu tenho com grandes amigos, que a gente se dá muito bem, e  é só alegria. Eu só tenho a agradecer a tudo que a gente já viveu até aqui, tudo que a gente já tá propondo pra viver futuramente. O Marabô é um projeto que veio há mais ou menos uns dois anos, que tem essa temática metal hardcore com lance mais espiritual de matriz africana. Essa mistura que nós estamos colocando dentro do metal, do hardcore, que são os toques dos atabaques com peso das guitarras e a mensagem positiva, né. E tá indo muito bem. A banda é composta por dois membros do Rio e dois caras de São Paulo, e esse ano de 2025, provavelmente a gente vai fazer nossa estreia nos palcos. Até então, nós temos três lançamentos também na internet, mas nunca tocamos. Foi tudo feito à distância e esse ano promete aí. Acho que é isso.



Banda Marabô. Da esquerda para a direita: Paulinho Coruja (baixo), Davi Baeta (guitarra), Felipe Chehuan (vocal), e Henrique Pucci (bateria).
Banda Marabô. Da esquerda para a direita: Paulinho Coruja (baixo), Davi Baeta (guitarra), Felipe Chehuan (vocal), e Henrique Pucci (bateria).

Recentemente, você lançou “Kemet”, que é um single de rap bem pensado na questão negra e do conhecimento originário de todas as ciências que temos neste mundo. O que te fez gravar um projeto novo? Comenta pra gente se vai ter mais desse tipo de trabalho.


[Chehuan]: Eu sempre quis fazer, eu sempre fui um grande admirador de rap, né? Desde, desde quando eu conheci o Racionais, em 1993. Eu tinha treze anos, e eu sempre fui muito admirador do hip-hop, principalmente a velha escola, né, que foi a que peguei, aí acho que a segunda geração; primeira, segunda geração, eu vi nascer assim. Então, eu sempre tive vontade de um dia fazer som, projeto solo que abrangesse a História, né, que falasse pouco das origens da humanidade. E o meu projeto pessoal, principalmente com single, foi dar início a uma série de músicas que eu quero lançar abrangendo todos esses temas históricos de uma forma meio agressiva no vocal e, ao mesmo tempo, com a mensagem passada. Então 'tá sendo desafiador pra mim como tudo que eu faço na minha vida. Tudo que fiz foi desafiador, nunca foi fácil nada, mas eu tô curtindo, sabe? As pessoas estão apoiando, os amigos estão apoiando e o feedback tá sendo muito bom, isso está me encorajando a continuar. Então, eu estou muito contente, muito feliz e proposto a somar, somente somar com toda essa galera aí que tem feito a grande diferença dentro dessa música nova, que está tomando conta da nossa cena né, dessa galera ativa, compondo e produzindo e não esperando o telefone tocar, mas metendo a mão e fazendo de maneira simples e básica, porém sincera tudo aquilo que eles acreditam.

Outra coisa sobre essa linha do rap que quero saber é a respeito das influências. Diz pra nós quais vão estar presentes nesse projeto. 


[Chehuan]: As influências que eu tenho partem da galera que criou assim no Brasil, tipo, Racionais; Thaíde; depois veio SNJ; GOG; MV Bill; RZO; Sabotage óbvio, essa galera aí que cresci ouvindo. E lá de fora também, eu sempre curti House Of Pain; Dr. DRE; Cypress Hill, essa galera toda aí; Notorious B.I.G., Tupac e esses grandes nomes. Dessa galera nova eu respeito muito o Djonga, sou muito fã. Nova não, né, mais recente, digo assim. Emicida e essa galera toda que tem feito a diferença. Aqui na Baixada tem muita gente boa. Posso citar aí a MC TAYA, o Jamal (Dubeco); posso citar aí o Slow da BF, lá de Caxias; o Marcão Baixada, Tonny (Hyung), que eu me amarro, e mais monte de gente boa que tem por aqui que só me incentiva e me motiva a também contribuir com toda essa cena. Tem o Cinix lá de Belford Roxo, que eu me amarro; tem o Dudu do Morro Agudo, que eu conheço de longa data; tem a galera que era da banda Nocaute de Belford Roxo; tem o Ed da Baixada, tem o Renato Aranha. Tem uma galera muito forte, cara; tem o Macarrão que eu me amarro pra caraca, tem uma galera do rap que eu me amarro muito aqui do Rio, cara, e essas são minhas influências. É rua, é o dia a dia, cotidiano.



Pra fechar aqui, manda um salve pra quem você quiser. 


[Chehuan]: Eu gostaria de agradecer a você, Pedro, pela oportunidade, ao Iago também, que toda a galera da Baixada em cena e a Revista Menó, parabenizar vocês por tudo que vocês têm feito. Aqui quem fala é um grande admirador do projeto que vocês têm e pode contar com a minha colaboração. E queria mandar salve pra todo mundo da Baixada, que acompanha os trabalhos do Gato Negro, os meus trabalhos pessoais, as bandas, e pra toda galera em geral. Salve aí e muita luz, muita muito axé e muita paz para todos. Grande abraço e um 2025 cheio de vitórias pra todos nós.

  • Foto do escritor: Pivete
    Pivete
  • 25 de mar.
  • 5 min de leitura


Quando se é um jovem com poucos amigos, introspectivo, à margem daquilo que deveria ser para ser mais sociável, mais aceitável, o mundo parece um lugar hostil. 


Você caminha tentando se esconder, pois, mesmo com pouca idade, já sofreu mazelas, violências e injustiças que o colocaram na posição de apenas querer se proteger. A internet se torna um porto seguro, longe dos perigos da presença física, um dos poucos lugares onde ainda há anonimato, onde a segurança da tela acolhe, estimula e faz questionar.


Não faz tanto tempo que eu mesmo fui esse jovem.

Sozinho no meu quarto, perdido nos meus pensamentos, iluminado apenas pela luz fria da tela. Minha coluna curvada, os braços esticados, os olhos avermelhados pela insônia e pela ansiedade que insistia em me prender na repetição de cenas das quais eu tentava fugir. 

Aquele espaço se tornou meu refúgio por anos.

Eu era um corpo em trauma. Havia sofrido abuso na infância. Não era considerado atraente pelas meninas da minha idade. Preocupava-me mais com jogos e leituras do que com socialização. Sempre me colocavam como o mais feio e esquisito da turma, em listas cruéis que só reforçavam minha baixa autoestima.


Na internet, porém, era diferente. Meus colegas virtuais não me conheciam pessoalmente e, quando os conheci, eram semelhantes a mim em estética e frustrações sociais. Compartilhamos interesses, diálogos e, acima de tudo, mágoas.


Naquela época, eu vivia recluso. Morava em Belford Roxo e estudava em São João de Meriti, o que me afastava ainda mais de possíveis amizades próximas.


Sentia medo de tudo, mas principalmente da violência da Baixada Fluminense, que me impedia de buscar outros caminhos além dos projetos da escola no contraturno e das horas imersas na internet, nos jogos, nas páginas da Wikipédia que eu navegava com feroz curiosidade.

Entre aquelas paredes, passei por inúmeras crises de ansiedade.

Questionava minha aparência, se um dia teria um relacionamento, se um dia superaria minhas frustrações amorosas e minha dificuldade de me comunicar com mulheres. Eu sabia de onde vinham algumas dores, mas não todas. Foram muitas noites nesse ciclo, não só no ensino médio, mas também nos primeiros anos da faculdade.


Fui tardio nas minhas relações. Beijei pela primeira vez aos 18 anos. Só tive minha primeira experiência sexual aos 20. Isso alimentava uma frustração imensa, um peso difícil de carregar. Mas acho que estou me adiantando. 


Voltemos ao jovem que não saía do quarto e só se socializava pela internet.

Durante muito tempo, questionei as mulheres. Por que não se interessavam por mim?


Mesmo tímido e inseguro, tentei algumas vezes sair com meninas que demonstravam um mínimo de interesse, mas nunca conseguia avançar. Minha inexperiência era evidente. Eu não chegava perto, não tocava, não conseguia nem olhar nos olhos. Era um fracasso completo.


Na internet, via discursos que culpavam essas mulheres pelos meus fracassos.


Diziam que elas só gostavam dos "errados", dos "zé droguinhas", e que nós, "nerds", éramos os rejeitados. Como se o afeto fosse um direito meu que estavam me negando. Eu era homem, precisava ter uma namorada, beijar, descobrir os segredos do sexo.


Em casa, minha família reforçava essa pressão com perguntas constantes sobre namoradinhas e insinuações sobre minha sexualidade.

Sentia-me marginalizado. Mas a questão dos relacionamentos era apenas mais um agravante. Eu já me sentia feio, envergonhado de ser pobre, de morar na última casa de um morro sem asfalto, de chegar nos lugares com os pés sujos de barro. Sentia-me menor, irrelevante.


E o discurso estava lá, pronto para me dizer que a culpa era das mulheres.


Mas, na verdade, eu sequer sabia o que tinha para oferecer. Talvez, se tivesse mais segurança em mim mesmo, as coisas fossem diferentes.


Mas, no fundo, nem sabia se queria aquilo de verdade ou se era apenas uma imposição social. Eu já me divertia com meus livros, minhas artes, meus jogos, meus poemas. 


Foram tantos os poemas sobre essa dor e esses questionamentos sobre identidade e desejo que só anos depois compreendi.

A internet, em algum momento, se tornou um espaço de frustração.


Depois, virou um lugar de indignação, onde rótulos e estigmas explicavam por que eu não era desejado. Era mais fácil colocar a culpa nelas. Era mais fácil dizer que elas não sabiam o que era melhor para elas.


Encontrei na internet outros jovens que compartilhavam desse ressentimento.

Alguns já estavam no caminho do ódio. Conheci lugares onde esse discurso era multiplicado, mas nunca fui ativo neles. Algo me impediu de mergulhar completamente.


Já estamos agora em 2010, consigo me localizar no tempo, pois foi um ano decisivo para mim, foi quando conheci o movimento estudantil, foi quando a escola se abriu para mim com seus projetos contra turnos, foi quando conheci aquele que se tornaria meu melhor amigo, que na época era presidente do grêmio e me convidou a fazer parte.


Ter um ambiente além da internet foi fundamental para me afastar desse discurso misógino e ressentido. 

Se você não se encaixa nos padrões de beleza e poder que a sociedade impõe, sente-se rejeitado. E esse ressentimento pode virar ódio, pode se tornar uma ideologia.


Mas, quando comecei a me relacionar com mulheres para além do desejo, entendi que elas também tinham frustrações, inseguranças, dores. Elas também se sentiam rejeitadas, também desejavam, também julgavam. Também jogavam videogame, também gostavam de literatura marginal. E foi aí que começou meu processo de aprendizado sobre o amor. 

Não um amor de posse, mas de encontro.

Percebi que toda minha tristeza e insegurança não eram culpa das mulheres.


Elas não tinham a obrigação de me suprir, de preencher minhas lacunas. Eram seres únicos, com vontades próprias. A internet, ao contrário, tentava reduzi-las a objetos descartáveis ou inimigas que precisavam ser punidas por não atenderem às expectativas masculinas.


Nem todos os jovens escapam desse ciclo.

Muitos, consumidos por esse ressentimento, acabam transformando esse ódio em violência real. Perseguem, agridem, matam mulheres. Alimentados por discursos diários na internet, encontram suporte em comunidades que reforçam suas frustrações. E, em algum momento, materializam essa raiva.


O que me salvou foi enxergar um mundo além do meu quarto. Conversar com amigos, aprender com mulheres incríveis que passaram pela minha vida, buscar segurança e confiança em mim mesmo. Compreender que meus traumas não precisavam definir meu destino. 


Eu sou muito mais que minhas dores, e ninguém é responsável por carregá-las por mim.


Foi um processo doloroso, e talvez fosse ainda mais difícil se eu fosse adolescente na era do TikTok e dos reels. Mas não digo que essa disputa acabou. Como homem, sou atravessado por esse sistema.

A luta contra essa mentalidade é constante.

Hoje, na escola, olho para meus alunos e me pergunto: o que chega até eles? Como minha sala de aula pode ser um campo de batalha contra esses discursos de ódio e desinformação? Como meu papel como professor pode mitigar esse avanço da misoginia e do conservadorismo que busca controlar corpos femininos para perpetuar estruturas de poder?


No fim, consegui sair daquele ciclo de violência. Hoje, vejo as mulheres como elas realmente são, e não como narrativas misóginas as desenham. Meu olhar mudou. Mas sei que, para muitos jovens, essa mudança não acontece. E é por isso que a luta continua.



logo.png
  • Branca Ícone Instagram
  • Branco Facebook Ícone
  • Branco Twitter Ícone
  • Branca ícone do YouTube

Todos os Direitos Reservados | Revista Menó | ISSN 2764-5649 

bottom of page