Além do Quarto Escuro
- Pivete
- 25 de mar.
- 5 min de leitura

Quando se é um jovem com poucos amigos, introspectivo, à margem daquilo que deveria ser para ser mais sociável, mais aceitável, o mundo parece um lugar hostil.
Você caminha tentando se esconder, pois, mesmo com pouca idade, já sofreu mazelas, violências e injustiças que o colocaram na posição de apenas querer se proteger. A internet se torna um porto seguro, longe dos perigos da presença física, um dos poucos lugares onde ainda há anonimato, onde a segurança da tela acolhe, estimula e faz questionar.
Não faz tanto tempo que eu mesmo fui esse jovem.
Sozinho no meu quarto, perdido nos meus pensamentos, iluminado apenas pela luz fria da tela. Minha coluna curvada, os braços esticados, os olhos avermelhados pela insônia e pela ansiedade que insistia em me prender na repetição de cenas das quais eu tentava fugir.

Aquele espaço se tornou meu refúgio por anos.
Eu era um corpo em trauma. Havia sofrido abuso na infância. Não era considerado atraente pelas meninas da minha idade. Preocupava-me mais com jogos e leituras do que com socialização. Sempre me colocavam como o mais feio e esquisito da turma, em listas cruéis que só reforçavam minha baixa autoestima.
Na internet, porém, era diferente. Meus colegas virtuais não me conheciam pessoalmente e, quando os conheci, eram semelhantes a mim em estética e frustrações sociais. Compartilhamos interesses, diálogos e, acima de tudo, mágoas.
Naquela época, eu vivia recluso. Morava em Belford Roxo e estudava em São João de Meriti, o que me afastava ainda mais de possíveis amizades próximas.
Sentia medo de tudo, mas principalmente da violência da Baixada Fluminense, que me impedia de buscar outros caminhos além dos projetos da escola no contraturno e das horas imersas na internet, nos jogos, nas páginas da Wikipédia que eu navegava com feroz curiosidade.

Entre aquelas paredes, passei por inúmeras crises de ansiedade.
Questionava minha aparência, se um dia teria um relacionamento, se um dia superaria minhas frustrações amorosas e minha dificuldade de me comunicar com mulheres. Eu sabia de onde vinham algumas dores, mas não todas. Foram muitas noites nesse ciclo, não só no ensino médio, mas também nos primeiros anos da faculdade.
Fui tardio nas minhas relações. Beijei pela primeira vez aos 18 anos. Só tive minha primeira experiência sexual aos 20. Isso alimentava uma frustração imensa, um peso difícil de carregar. Mas acho que estou me adiantando.
Voltemos ao jovem que não saía do quarto e só se socializava pela internet.

Durante muito tempo, questionei as mulheres. Por que não se interessavam por mim?
Mesmo tímido e inseguro, tentei algumas vezes sair com meninas que demonstravam um mínimo de interesse, mas nunca conseguia avançar. Minha inexperiência era evidente. Eu não chegava perto, não tocava, não conseguia nem olhar nos olhos. Era um fracasso completo.
Na internet, via discursos que culpavam essas mulheres pelos meus fracassos.
Diziam que elas só gostavam dos "errados", dos "zé droguinhas", e que nós, "nerds", éramos os rejeitados. Como se o afeto fosse um direito meu que estavam me negando. Eu era homem, precisava ter uma namorada, beijar, descobrir os segredos do sexo.
Em casa, minha família reforçava essa pressão com perguntas constantes sobre namoradinhas e insinuações sobre minha sexualidade.

Sentia-me marginalizado. Mas a questão dos relacionamentos era apenas mais um agravante. Eu já me sentia feio, envergonhado de ser pobre, de morar na última casa de um morro sem asfalto, de chegar nos lugares com os pés sujos de barro. Sentia-me menor, irrelevante.
E o discurso estava lá, pronto para me dizer que a culpa era das mulheres.
Mas, na verdade, eu sequer sabia o que tinha para oferecer. Talvez, se tivesse mais segurança em mim mesmo, as coisas fossem diferentes.
Mas, no fundo, nem sabia se queria aquilo de verdade ou se era apenas uma imposição social. Eu já me divertia com meus livros, minhas artes, meus jogos, meus poemas.
Foram tantos os poemas sobre essa dor e esses questionamentos sobre identidade e desejo que só anos depois compreendi.
A internet, em algum momento, se tornou um espaço de frustração.
Depois, virou um lugar de indignação, onde rótulos e estigmas explicavam por que eu não era desejado. Era mais fácil colocar a culpa nelas. Era mais fácil dizer que elas não sabiam o que era melhor para elas.
Encontrei na internet outros jovens que compartilhavam desse ressentimento.

Alguns já estavam no caminho do ódio. Conheci lugares onde esse discurso era multiplicado, mas nunca fui ativo neles. Algo me impediu de mergulhar completamente.
Já estamos agora em 2010, consigo me localizar no tempo, pois foi um ano decisivo para mim, foi quando conheci o movimento estudantil, foi quando a escola se abriu para mim com seus projetos contra turnos, foi quando conheci aquele que se tornaria meu melhor amigo, que na época era presidente do grêmio e me convidou a fazer parte.
Ter um ambiente além da internet foi fundamental para me afastar desse discurso misógino e ressentido.
Se você não se encaixa nos padrões de beleza e poder que a sociedade impõe, sente-se rejeitado. E esse ressentimento pode virar ódio, pode se tornar uma ideologia.
Mas, quando comecei a me relacionar com mulheres para além do desejo, entendi que elas também tinham frustrações, inseguranças, dores. Elas também se sentiam rejeitadas, também desejavam, também julgavam. Também jogavam videogame, também gostavam de literatura marginal. E foi aí que começou meu processo de aprendizado sobre o amor.

Não um amor de posse, mas de encontro.
Percebi que toda minha tristeza e insegurança não eram culpa das mulheres.
Elas não tinham a obrigação de me suprir, de preencher minhas lacunas. Eram seres únicos, com vontades próprias. A internet, ao contrário, tentava reduzi-las a objetos descartáveis ou inimigas que precisavam ser punidas por não atenderem às expectativas masculinas.
Nem todos os jovens escapam desse ciclo.

Muitos, consumidos por esse ressentimento, acabam transformando esse ódio em violência real. Perseguem, agridem, matam mulheres. Alimentados por discursos diários na internet, encontram suporte em comunidades que reforçam suas frustrações. E, em algum momento, materializam essa raiva.
O que me salvou foi enxergar um mundo além do meu quarto. Conversar com amigos, aprender com mulheres incríveis que passaram pela minha vida, buscar segurança e confiança em mim mesmo. Compreender que meus traumas não precisavam definir meu destino.
Eu sou muito mais que minhas dores, e ninguém é responsável por carregá-las por mim.
Foi um processo doloroso, e talvez fosse ainda mais difícil se eu fosse adolescente na era do TikTok e dos reels. Mas não digo que essa disputa acabou. Como homem, sou atravessado por esse sistema.
A luta contra essa mentalidade é constante.

Hoje, na escola, olho para meus alunos e me pergunto: o que chega até eles? Como minha sala de aula pode ser um campo de batalha contra esses discursos de ódio e desinformação? Como meu papel como professor pode mitigar esse avanço da misoginia e do conservadorismo que busca controlar corpos femininos para perpetuar estruturas de poder?
No fim, consegui sair daquele ciclo de violência. Hoje, vejo as mulheres como elas realmente são, e não como narrativas misóginas as desenham. Meu olhar mudou. Mas sei que, para muitos jovens, essa mudança não acontece. E é por isso que a luta continua.
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