As “fake news" e seus riscos ao sistema democrático
- Pedro Safo Rodrigues da Silva
- 30 de ago. de 2021
- 6 min de leitura

A ciência, a informação e a tecnologia favoreceram a comunicação virtual, ofertando instantaneidade e proximidade entre os interlocutores. A flexibilidade e a acessibilidade corroboram com o acesso à informação e seu compartilhamento. Todavia, tal cenário, cuja permissão para realização de compartilhamentos em massa, por meio de uma rede de usuários, é contexto ideal para assassinar uma reputação, cometer crimes contra a honra, causar dano ao patrimônio material do indivíduo, ser causador de homicídios, ou mesmo moldar a opinião pública a favor de um grupo, e colocar em risco o sistema democrático.
Através das mentiras e inverdades, a democracia está ameaçada e suas instituições de defesa são amiúde descredibilizadas por Fake News. Mentir acerca de um adversário político em um processo eleitoral é atentar contra a democracia. Ora, o voto do eleitor é fruto das suas opiniões e convicções construídas com a soma das informações que obteve. Se estas são falsas e tiveram o objetivo de ludibriar, a participação política, o processo eleitoral, e, por fim, a democracia estão em perigo.
Ora, se o objetivo é entender o fenômeno da disseminação de inverdades como sendo o passo inicial para a resolução do próprio problema descrito, exige-se, pois, uma metodologia que conduza a pesquisa de maneira exploratória. Assim, adiante será realizada a conceituação do fenômeno, como também a delimitação dos fatores que levam a ocorrer.
Uma notícia falsa, geralmente, não é uma sequência de informações que resta clarividente sua falsidade, pelo contrário: muitas das informações contidas em uma Fake News são verdadeiras; a questão é que se misturam fatos e mentiras, com o nítido objetivo de persuadir o leitor. A cibersociedade cria redes nos processos de comunicação que comportam muitos usuários. Se um desses internautas receber uma informação inverídica e não conferir sua veracidade (ou inveracidade) antes de compartilhar com seus contatos, há a possibilidade de desencadear uma sequência elevada de compartilhamentos, cujas consequências serão desinformação e reações populares, por vezes, perigosas.
Para elucidar o supracitado, traz-se à tona a notícia da BBC (British Broadcasting Corporation) 14 de novembro de 2018, quando notícias falsas acarretaram atos de violência contra um tio e seu sobrinho, em uma cidade mexicana. A narrativa noticiada pelo site em voga é de que as vítimas foram linchadas e queimados por um grupo enfurecido. O sentimento de ódio por parte da multidão deu-se pela disseminação de mentiras no WhatsApp. Adentraram à delegacia onde ambos estavam, e cometeram os crimes. O grupo de criminosos acreditou que as vítimas fossem “sequestradores de crianças” e “criminosos envolvidos com tráfico de órgãos”, consoante a matéria; porém, estavam ali no estabelecimento prisional por ato antijurídico distinto (violação do sossego público). Ninguém verificou as informações antes de ir às vias de fato.
De mais a mais, Democracia e Fake News definitivamente não andam juntas, pois as notícias falsas colocam em xeque o sistema democrático. É essencial pontuar que o novo cenário do mundo globalizado e as possibilidades de aproximação das relações, de modo instantâneo, é primordial para a divulgação de notícias. Todavia, nem todas são verdadeiras.
Nesse aspecto, ao passo que a razão é substituída por sentimentos extremos e, por vezes irracionais, como o ódio, a verdade vai sendo substituída por mentiras.
Ao passo que alguns políticos e partidos, cuja responsabilidade de salvaguardar a democracia lhes competem de modo concorrente, utilizam-se das informações deturpadas para conquistarem seus objetivos - inclusive proferem inverdades, confundem os cidadãos e incitam o ódio contra determinados grupos opositores. A construção de inimigos públicos auxilia na construção da desinformação, na consequente polarização, e no crescimento político dos que fazem parte da dualidade polarizada, configurando, pois, como maniqueísmo. Assim, a manipulação das massas é viabilizada.
É sabido que a democracia, através de seus processos democráticos – vide o processo eleitoral – sofre com a fragilização do descrédito e com a descrença da opinião pública, em virtude da disseminação de Fake News.
Observa-se que a divisão da sociedade pelo maniqueísmo gera a conjuntura ideal para a disseminação de notícias falsas, contra os inimigos públicos. Ademais, há uma crise de legitimidade em diversos sistemas políticos, assim como no Brasil; isso faz com o que surjam políticos antissistema, e, sabidamente com o decorrer da história, esses políticos representam risco à democracia. Tais políticos se denominam “salvadores da pátria”, e, para fixar essa ideia e as ideias acessórias, utilizam-se de Fake News, às quais colocam em xeque o sistema democrático.
Nesse raciocínio, traz-se a notícia de que o Presidente da República Federativa do Brasil, Jair Bolsonaro, disse que o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Barroso, era “idiota”, e aponta que nas eleições anteriores houve fraudes. O presidente não apresentou provas do que diz, e, dissemina esta (des)informação, visando manipular a opinião pública. A motivação para isso fica clara, já que ele tem interesse no voto auditável. Além disso, ameaçou as eleições de 2022 quando afirmou que talvez não fossem ocorrer, e, a todo custo, desacredita o sistema eleitoral. De mais a mais, intensifica estas informações inverídicas que tiram o crédito e o prestígio das instituições, objetivando, pois, retaliar as pesquisas que apontam sua atual impopularidade.
Outro exemplo notório é o caso atual das urnas eletrônicas que, em uma live, o atual signatário da Presidência da República apresentou alguns “indícios” de que a urna possa ser violada e fraudada, utilizando alguns “especialistas” para demonstrar, em vídeo, possível “fraudabildade”.
A questão é: E se o eleitorado construir sua opinião baseado em uma inverdade, a democracia está em risco? À égide da obra “Como as democracias morrem”, sim. Steven Levitsky e Daniel Ziblatt citam as crises políticas de legitimidade e representatividade e o advento da falsa solução propagada pelos “outsiders” (os quais convencem o povo), aqueles que são considerados antissistema.
Nesse sentido, a aliança de determinado grupo com os “outsiders”, supervenientemente, tornar-se-á uma aliança fatídica. Para elucidar tal pensamento, Levitsky e Ziblatt apresentam os exemplos de Mussolini, Hitler, Chávez e Fujimori, dentre outros. Estes chegaram ao poder convencendo os políticos – estabelecidos – como “aliados úteis”, e o povo como a “salvação”, e, quando lá estavam, o tomaram para si.
No Brasil, em 2018, ocorreram as eleições, e estas ficaram marcadas pelas Fake News. Os políticos corroboram para uma polarização maniqueísta – “nós contra eles”; através da análise da conjuntura desenhada, os eleitores – indivíduos que respondem a estímulos – irão escolher um dos polos antagônicos, a partir da sua opinião. Indubitavelmente, os elementos citados separadamente são tóxicos. Juntos, a toxicidade se potencializa e prejudica as relações e fragilizam as instituições.
Nesse contexto, não há debate – este é substituído pelas campanhas de ódios, violência e assassinato de reputação, e algumas das armas principais são as notícias falsas. É inegável que isso é prejudicial à democracia.
O ato de disseminar Fake News jamais terá embasamento constitucional; em outra perspectiva, é imperioso afirmar que a liberdade de expressão não é direito absoluto; em última análise, o direito a expressar-se não permite que cause dano ou seja ato ilícito. Logo, deve-se estar a favor do pleito acerca da liberdade de expressão – uma das bases da democracia – entretanto, é mister afirmar que o combate às Fake News não é o mesmo que cercear a liberdade de expressão. A jurisprudência pátria tem firmado o entendimento de que o direito constitucional à liberdade de expressão é incompatível com a disseminação de notícias falsas.
Em outro viés, por serem informações inverídicas e, muitas vezes, terem o objetivo de moldar a opinião pública para favorecer determinado grupo, ou mesmo de cometer crime contra à honra, ou causar dano ao patrimônio moral do indivíduo, as notícias falsas são um risco à democracia. Um dos seus maiores perigos é nas eleições, cujas mentiras para favorecimento de alguns grupos políticos são tamanhas, e, isso põe em xeque o sistema democrático.
A cada dia percebemos o crescimento do ciberespaço e a participação maior dos indivíduos, sobretudo jovens, de forma coletiva, experienciando outras formas de comunicação com suporte da internet e aparelhos tecnológicos. Assim, se abrem novos espaços de comunicação com potenciais positivos nas várias dimensões da sociedade (econômica, política, social, cultural, artística, etc.).
A sociedade técnica e informacional nos possibilita edificar uma engenharia dos laços sociais, conforme proposta por Pierre Levy, e explorar as riquezas humanas por meio das informações e ideias, uma vez que os indivíduos carregam sua bagagem pessoal para a internet, tornando o aprendizado cooperativo e colaborativo.
Esse intercâmbio de conhecimento e compartilhamento de conteúdos “verdadeiros”, contribui para sairmos das fortes relações de poder que conduzem à dominação, exploração, opressão, que é um campo fértil para as fake news. Somos tributários da ideia de que quanto maior o progresso das formas de comunicação, igualmente será o da democracia, permitindo o combate às notícias falsas, ao autoritarismo e aos “regimes ditatoriais” muito presentes nas atuais democracias mundiais
Por Pedro Safo Rodrigues da Silva
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