Diamantes, Lágrimas e Memórias para Lembrar...
- Pivete
- 13 de fev.
- 5 min de leitura

Em todos os álbuns do BK, acontece o mesmo comigo: suas letras se misturam às minhas memórias.
Não consigo deixar de escrever sobre elas, não consigo ficar de fora do jogo. Sempre me vejo como o personagem dessas histórias.
Essa é a mágica do rap para mim—sua marginalidade, seu pertencimento, seu lugar.
De artistas tão geniais que narram o cotidiano, exploram conceitos, questionam dogmas e reafirmam nosso desejo de ter voz ativa.
BK é revolucionário, e, pedindo licença, viajo entre suas músicas, suas batidas e letras, poesias que enriquecem minha escrita.
Espero que, de alguma forma, eu também consiga contribuir com esse trabalho lindo.
Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer (2025) explicita ainda mais o tamanho desse artista que é Abebe Bikila.
Com uma seleção impecável de samples, participações e produtores, ele revisita a música brasileira, fala do seu íntimo, nos inspira, mexe com nossos sentimentos, bagunça os sentidos e faz experiências químicas com o amor.
Peço licença para chegar, avisando que misturo aqui letras das músicas do artista com histórias, reflexões e revoltas minhas.
Reitero: me coloco como protagonista da obra, mas com a humildade de alertar que nenhuma experiência é individual em matéria de negritude, pobreza e marginalidade.
Nossas histórias se confundem. Mesmo com nossas diferenças, somos parte do mesmo teatro, do mesmo sistema, que nos coloca nesse espaço de eterna superação.
Já que estão todos avisados. Vamos lá!

“Só eu sei as esquinas por onde passei”.
A música do BK, Só Eu Sei, com participação do Djavan, me traz uma nostalgia. Quando ele canta que “tudo tem que começar de algum lugar”, eu volto lá para trás.
Na época em que uma das maiores preocupações era a chuva, aquele medo de chegar à escola com o pé sujo de lama.
A ingenuidade de não me alertar para outros perigos, que seriam bem mais trágicos do que olhares e piadinhas sobre o lugar onde eu morava.
Só eu sei dos perigos que passei, mesmo que algumas dessas experiências sejam coletivas para nós, irmãos de cor e CEP.
Um campo minado, onde soube, milagrosamente—e acredito que as orações da minha mãe me auxiliaram a me guiar—chegar até aqui.
E o que resta, como na canetada do BK, é olhar para o céu, dialogar com Deus e só falar: “me perdoe e obrigado”.

O caminho foi perigoso, mas não tive tempo para chorar, para me lamentar.
Tive que correr atrás de algo que eu nem sabia o que era.
Mas a falta é catalisadora, ela te faz correr, mesmo que você não tenha um destino definido.
“Não adianta chorar, não adianta lamentar.”
Ninguém tem pena de um neguinho de quebrada. Somos adultizados, temos que ser duas vezes melhores, temos que engolir o choro.
E mesmo que a lágrima escorra no fim do dia, seque-a, porque se for vista, você será o vitimista.
“Você não é homem, não?”—mesmo que, naquele momento, você seja apenas uma criança.
"Peço desculpas para minhas lágrimas, estou sem tempo para elas, sem tempo para traumas e sequelas. Mas vou enfrentar o que sempre me afunda, porque parar de fugir sempre é a melhor fuga."
E você conseguiu? Eu sei que muitos dos que ficaram para trás você nem lembra mais.
As versões das histórias que sobrevivem ao tempo é dos vencedores, dos sobreviventes. Meus amigos morreram duas vezes: no material e no simbólico.
"Mas dedico a quem não está do meu lado", sempre.
É um mantra para mim.
Vivo por aqueles que não tiveram a sorte que tive, aqueles que ficaram no caminho.

Toda vez que eu subia aquele morro, em Belford Roxo, me questionava se seria a última vez, se algo aconteceria. Viver na insegurança virou um hábito.
Fiquei metódico, buscava artimanhas para fugir do acaso.
Eu precisava continuar. Não tinha como parar.
Não existe história sem movimento, não existe roteiro onde o protagonista não faça nada.
Luz, câmera e ação.
"Medo de mim, medo, de mim?”
“Eu tenho que avançar, única lei que sigo nessa vida.”
Um jovem medroso que, por conta do advento de um racismo estrutural que nos coloca em posição de ameaça, teve que conviver por tanto tempo como algoz e vítima.
Uma dualidade enlouquecedora, uma identidade desafiada diariamente. Minhas armas eram a escrita. Escrevo, logo existo.
Cogito, ergo sum—uma espécie de Descartes da periferia, cria de Ferréz e Paulo Lins.
E usei a escrita para superar meus medos. Chegava em casa e escrevia sobre tudo que passei. Não importava o horário, não importava o receptáculo. Era necessário apenas um espaço em branco para ser preenchido por palavras de revolta e medo.
"Eu quero ver" o que você vai responder quando eu desabafar sobre todos os meus medos e receios.
Quando perceber que, por ser preto, pobre e marginal, não consigo mergulhar no raso. Tudo é profundo, tudo é crítico e imediato.
Preciso ser revolucionário. Meus amores não podem ser plásticos.
Viver até aqui foi uma conquista, e “aqui não pode ser apenas mais um lugar para você”.
"Não precisa mentir que me ama."
Tenho amor até de sobra. Talvez tenha sido isso que me fez continuar, não parar de tentar.
"Não vê como domino as palavras? Nenhuma delas pode me iludir."
E, nessas tentativas, eu arrisquei. No amor e suas inúmeras paixões. Na vulnerabilidade que nos colocamos para o outro. No espaço que damos para o julgamento alheio. Na autoestima que, se não cuidada, é devastada.
Nas atitudes erradas que recebemos de herança. Foi tão difícil aprender a ser eu. Tão difícil entender que algumas dessas atitudes não me refletiam, eram apenas reflexo de outras imagens.
Foi difícil, mas superei.

"Quem é o monstro?" Quem abusou de mim? O policial que me agrediu? O miliciano que matou meu amigo? Ou a mulher que me traiu? "Eu ou o tempo?"
Será que tudo passa? Será que tudo vira aprendizado? Será que o passado tem que ser sempre revisitado? Será que o tempo é meu aliado?
“Quem é o monstro? Eu ou o tempo?”
"Te devo nada." Quem disse que quero que me perdoem? Quem disse que quero fazer as pazes? Não me sinto mais culpado dessas andanças. Eu vivi, sobrevivi. Houve andanças e desandanças, mas estou aqui.
Mesmo na falta, na raiva, em ruas vazias, em céus iluminados por traçantes, com um alvo nas costas e o sol esquentando minha cabeça.
E ainda não cheguei onde quero chegar. São tantos obstáculos para ultrapassar, mas nunca serei covarde.
"Crescer foi uma prova de múltipla escolha." Pois "o que vocês chamam de má influência, eu chamei de escola".
"Eu consegui."
Não tudo que quero, "ainda estou lutando por mim", mas consegui chegar a um lugar confortável. Longe do subemprego, do crime e do caixão.
E foram todas essas "batalhas que lutei, e as que perdi, que me fizeram chegar até aqui."
"Amém, amém, feliz por mais um dia."
Acordo hoje com alegria, mas nem sempre foi assim.
"Que o papai do céu sempre abençoe a minha família."
E que um dia eu consiga retribuir tudo.

E "abaixo das nuvens", sigo.
O mundo é grande demais, e eu quero desvendá-lo.
Não quero mais promessas de alcançar o céu.
Sei que já tenho asas. Não peço mais nada. Eu conquisto.
Se quiser vir comigo, me dê sua mão,
porque eu não a soltarei.
Estes são meus cacos de vidro e os mandamentos que carrego.
Ninguém, nunca mais, roubará minha paz.
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