Faz parte do meu show
- Pivete
- 2 de jan.
- 3 min de leitura

E começa um novo ano, cheio de possibilidades: mais 365 dias para tentar reverter a lógica, na luta por um ano melhor, por oportunidades que não vieram antes.
Nos últimos dias de 2024, nos 45 minutos do segundo tempo, fiquei "hiperfocado" em um programa da TV Brasil chamado O Som do Vinil, apresentado pelo ex-baterista dos Titãs, Charles Gavin. Ele consegue, de forma única, explorar artistas, álbuns, músicas, vinis, LPs, canções que escancaram a diversidade e a grandiosidade da cultura brasileira. Nossa música, tão admirada, apropriada e revisitada pelos gringos, mas muitas vezes desrespeitada por alguns brasileiros.
Música que não precisa estar no passado para ser boa. Digo isso por mim, mas percebo no programa que a intenção é outra: falar da cultura brasileira que, em um de seus vieses mais poderosos, traduz nossas realidades, encanta, fascina. É trilha sonora de nossos risos, raivas, choros e amores.
“Faço promessas malucas / Tão curtas quanto um sonho bom.”
Um episódio que me fascinou foi o dedicado a Cazuza. Por conta do meu preconceito e ignorância, eu o resumia a um burguês um pouco consciente, na mesma linha de Renato Russo, Marcelo Camelo e outros. Mas, por pura ignorância mesmo, porque Cazuza foi, quiçá, revolucionário.

Ele construiu um legado que ia muito além de ser "o filho do dono da gravadora". Não estou aqui questionando seus privilégios e facilidades. Com sua arte, sua sexualidade, sua voz e composições, ele buscava algo diferente.
Suas músicas retratam um país real, não o fictício das novelas e filmes que, na sua mediocridade, pintam um retrato inventado. Nosso país não é só bunda, crime e simpatia. Nosso país é complexo: tem alma, ritmo, raiva, questionamento.
É uma margem que nunca se contentou em estar à beira. Nada aqui foi por acaso; tudo foi invadido, resistido, gritado.
Das rodas de samba ancestrais às batalhas de rima modernas. Dos bailes black aos bailes funk. Do carnaval de rua ao carnaval da avenida. Somos disputa, luta e resistência. Ideologia cantada, falada, atuada e escrita.
Um povo que resistiu com classe e ainda resiste a um apagamento que limita nossa história à assinatura de uma carta que, na soberba, tentou transformar “boa” intenção branca em lei. Décadas de escravidão até que o sistema mudasse de nome, mas não de essência. Hoje, a escala 6x1 é o resquício desse passado, dito de forma simplória.
"Os meus sonhos foram todos vendidos tão barato que eu nem acredito."
Sonhos que nem nossos são, mas construções moldadas por um sistema que nos coage a seguir convenções sociais e ambições pré-fabricadas. Cazuza, ao descobrir que tinha pouco tempo de vida, decidiu criar um legado: falar do país, do povo, dos falsos moralismos e da suposta ética de uma democracia que nunca existiu.
Tem dias que questiono o papel da revista: escrever sobre o que nos propomos, revisitar a memória de um país que eles querem esconder e, enfim, esquecer. Será que cresceríamos mais rápido falando só de futilidade, fofoca e tretas? Ou estou me iludindo, achando que este veículo é relevante por si só, ajudando a alimentar uma memória positiva do nosso povo e cultura?

Penso no ano que começa. Será que caminhamos mesmo para o fim da humanidade? Que as mudanças são irreversíveis? Que verdade e mentira se confundem a ponto de não haver mais distinção?
Vivemos entre hedonistas e necessitados. Eu deveria me sentir culpado por querer consumir, por me individualizar numa sociedade que vende isso como progresso?
Percebo que faz parte do meu show. É mais fácil me render a esse meu jeito problematizador e questionador. Meu amor, vivo em um clipe sem nexo. Provoco brigas, invento desculpas. Mas faz parte do meu show.
Desejo que este ano seja melhor.
Que sejamos quem realmente somos, sem miséria.
Que tenhamos alma.
A Revista Menó continuará como é. Falaremos do que queremos, sem ligar para números de seguidores ou acessos. Nosso propósito não é estar no hype.
Nosso papo é construir memória e imaginário: marginal, preto, periférico, de gente independente e coletiva. Construir, mas também destruir o que precisa ser destruído.
Cheia de reclamação, reverência e orgulho. Com ideologia, revolta e pioneirismo.
É sobre ser Menó.
“Tô cansado de tanta babaquice, tanta caretice, desta eterna falta do que falar."
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