Menó Recomenda #1 : A música que o algoritmo não mostra
- Pivete
- 13 de dez. de 2024
- 9 min de leitura
Atualizado: 13 de dez. de 2024
Chega de deixar o talento das crias de lado. Menó Recomenda é o espaço para você conhecer sons que nascem da realidade, das lutas e da criatividade que só quem vive nas margens sabe traduzir.
Aqui você vai ouvir rap, samba, funk, trap e tudo o que conecta o Brasil marginal. Não importa se ainda não tem milhões de plays ou se nunca vai ter: o que importa é que cada som carrega histórias que merecem ser ouvidas.
A ideia é simples: quebrar a bolha, desafiar o algoritmo e dar palco pra quem faz muito com pouco.
Menó Recomenda é pra quem gosta de música, não de hype.
Afreekassia chega pesada com "Eu Amo Ser Negona", um rapzão produzido pela Mugshot que é puro fogo e exaltação à mulher negra. A música é um grito de orgulho, carregado de força e autenticidade, onde Afreekassia mostra que ser negona é uma questão de postura, atitude e muita confiança.
Com versos afiados, ela não deixa espaço para dúvidas: "Minha zona de conforto é sua zona de perigo" e "Querem que eu seja um pouco menos negona, mas eu amo ser negona" são só alguns dos trechos que fazem dessa faixa um verdadeiro hino de resistência. É sobre se afirmar sem pedir permissão, celebrar quem você é e deixar claro que ninguém segura uma negona com atitude.
A produção da Mugshot encaixa perfeitamente no clima, trazendo um beat pesado e envolvente que dá ainda mais força à mensagem. O clipe oficial complementa a vibe, com Afreekassia dominando a tela com seu porte e presença. Cada cena é um show de estilo e poder, traduzindo visualmente a energia da música.
Poucos sons envolvem o ouvinte tão profundamente quanto aqueles que vêm da alma, do íntimo. Sons carregados de questionamentos que transcendem o individualismo, mesmo quando nascem de memórias pessoais. São sentimentos que se expandem, conectando-se a nós e aos nossos semelhantes. Há tanto que nos é negado — pela cor, pelo CEP, pela classe social. Pelo abandono, pela história apagada, pelas memórias arrancadas. Sem pai, com uma mãe que se multiplica em três, crescemos cercados por reflexões profundas e respostas escassas.
Em uma conversa íntima, ele reflete sobre a violência doméstica. Sobre a dor de não ter uma figura paterna presente, sobre o peso de não ter essa referência masculina ao lado. A dúvida constante, o medo de perder, o receio de ser traído, o desejo de ser um pai melhor, mesmo em meio a exemplos negativos. A busca por ser um modelo, por romper o ciclo. Poucos artistas conseguem traduzir tamanha complexidade em tão poucas linhas. Uma música que equivale a um capítulo de livro. Ouça.
2ZDiniz explora uma identidade que precisou ser reconstruída a partir de retalhos. Seu som é mais do que música: é uma aula, um convite ao sentimento coletivo em um país onde a perda de identidade e memória foi um projeto político. Com produção de Pedro Apoema, essa faixa reflete a profundidade e a complexidade do novo álbum de Diniz, que celebra um 2024 repleto de lutas e conquistas.
Quase um Belchior contemporâneo, um "sujeito de sorte" latino-americano moldado pela maior cidade da América Latina, LPT Zlatan é a síntese da força e da complexidade de quem transforma vivências em arte. A alcunha, carregando o peso e a ousadia de Zlatan Ibrahimović, reflete o espírito combativo de um artista que transita com maestria por diversas referências. Sob a produção de Wall Hein, Zlatan reinventa a narrativa de luta e sobrevivência, trocando o violão pelo beat, mas mantendo intactas as ambições de ficar vivo, enriquecer e escapar dos vermes que assombram as ruas e os sistemas.
O tempo passa, mas a cena permanece: a desigualdade, a resistência e o desejo de mudança. Zlatan canta o refrão da faixa que leva o mesmo nome e passeia pelo instrumental rock and roll com profundidade. Em suas linhas, ele narra a batalha cotidiana, equilibrando sonhos e dificuldades, mantendo viva a resiliência que só a quebrada pode ensinar. É uma trilha sonora de luta e ascensão, onde cada batida reforça o espírito de quem transforma as mazelas da vida em combustível para seguir adiante.
Com um pé no passado e outro no futuro, Zlatan é mais do que um artista: é um cronista da experiência urbana, um contador de histórias de quem vive e resiste. Sua música celebra não apenas as conquistas individuais, mas a força coletiva de uma comunidade que, mesmo sob as piores condições, se reinventa a cada dia. Nas entrelinhas de cada verso, está o grito de quem luta por mais — mais vida, mais dignidade, mais arte. Uma obra que mistura som e narrativa em uma explosão de identidade.
Apenas histórias que se entrelaçam com as nossas, de pessoas muito próximas, descartadas por um estado covarde. Violência-espetáculo, violência tão familiar, que persegue nossas narrativas com precisão e constância. Na potência das vozes de Sant, AçúK e Borges, vemos que essas histórias têm fundamento: refletem uma geração que conviveu intimamente com a violência, uma relação moldada por excessos e por um ódio profundamente enraizado, mas mal administrado. É difícil exigir inteligência emocional de quem foi moldado pela ignorância — uma ignorância não intencional, mas institucional, que deixa cicatrizes profundas e mazelas incontáveis.
Parabéns ao Sant, que construiu um álbum que é ao mesmo tempo, profundamente contemporâneo e respeitoso com o passado. “Convicto” (2024) exalta a memória de um povo que, como insisto em denunciar em cada postagem, sofre de uma falta de memória imposta por séculos de genocídio e apagamento. Ouça. Reflita. Sinta. É uma obra que não apenas denuncia, mas também celebra a resistência e a capacidade de reescrever a própria história.
Nada é simples; tudo reflete a complexidade da estrutura que nos cerca. Até mesmo a paixão por um time pode se transformar em uma história de violência, carregada de fanatismo, sadismo e ecos de genocídio. Um estado que desumaniza aqueles à margem, colocando-se como algoz de seu próprio povo. Sant traduz essa realidade com um olhar incisivo, nos lembrando que a luta por memória e justiça é também uma luta por humanidade.
Não acredite no título da música: Afrodite não tem nada para se desculpar com o Veigh. Pelo contrário, ele é quem deveria agradecer pela menção em uma obra que escancara o talento e a força dessa mina que vem tomando seu lugar de direito: o topo. No beat porradeiro, ela só se aquece, soltando verdades e reafirmando sua posição em uma cena que ainda reluta em reconhecer a qualidade e a potência das mulheres.
Direto da Baixada Fluminense, Afrodite transforma o instrumental em território pessoal, rimando com uma precisão que faz parecer fácil — mas só para quem tem o domínio que ela tem. Cada verso é uma resposta a uma indústria masculina e saturada, um recado para aqueles que duvidam da força feminina na cultura. Recentemente, ela também brilhou no Nova Cena, o primeiro reality musical brasileiro da Netflix, onde deixou sua marca com a mesma autenticidade e confiança que coloca em suas letras.
Afrodite não só entra no jogo, ela redefine as regras. Seu som não é apenas música, é uma declaração de resistência e empoderamento. Em um cenário onde o talento feminino é constantemente subestimado, ela surge como uma força que não só exige espaço, mas o ocupa com autoridade. Seja no beat pesado, no palco ou nas telas, ela reafirma o que todos já deveriam saber: o topo não é aspiração, é território conquistado. Afrodite está aqui, e o microfone está onde sempre deveria estar — nas mãos dela.
Esse som do Raro é uma oração. Uma oração para todos nós que conhecemos a pressão de acreditar que somos o problema, a causa das brigas, a praga, o marginal. Uma casa onde as pressões do capital, da violência, da frustração e da dor da falta roubam a paz, nos faz sentir culpados, como se estivéssemos predestinados ao caminho errado — mesmo sabendo, no fundo, que a realidade nos mostra o contrário. Será que conseguimos enxergar nosso potencial antes de ceder à tentação do “mais fácil”?
Aspas, porque não acredito que o caminho mais fácil esteja na pista ou no tráfico, com a arma na mão e uma graninha por semana, que só pode ser gasta na favela, sob o risco de ser pego. Você é fruto de seres com imenso potencial, esmagados e subjugados, mas que, ainda assim, tiveram que ser duas vezes melhores, enfrentando barreiras que existiam antes mesmo de nascer. Raro transforma isso em oração, em busca de bênção. Dadin é cada um de nós: crias, favelados, pretos ou não, que carregam o peso de estar à margem, alvos constantes. Corre, Dadin, vence, se proteja!
Somos um povo bastardo, com o mesmo retrato trágico como referência — no jornal, no livro, na vida. Abramos os olhos: vivemos em um ciclo de violência, mas resistimos. Ser Dadin é isso: lutar, ousar, e persistir. É o que vejo. É o que sinto. E tudo isso foi traduzido em um clipe que é uma verdadeira obra de arte, feito por gente talentosa que colocou a alma no trabalho. Parabéns a @_flashprince, @vieira_jg, @lag0nna, @gabrielvitiello, @marinamaux, @emanuelsant e tantos outros que transformaram essa oração em milagre.
A cantora e compositora fluminense Lettié, diretamente de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, volta aos holofotes com "Manda e Desmanda", uma faixa que carrega as marcas de sua autenticidade. Fruto de dúvidas, cansaço e de um reencontro pessoal, a música é mais uma prova da profundidade artística de Lettié, que, desde o lançamento de seu primeiro EP, Veneno, em 2022, vem consolidando uma artista de sensibilidade e força.
A faixa tem um time de peso na ficha técnica: além de Lettié, Enzo Dicarlo e Ivan Lima assinam a composição e produção, com arranjos finíssimos que contam ainda com a mão de Gabriela Barbosa. Quem ouviu o EP Veneno de 2022 sabe do que ela é capaz. Foi lá que ela mergulhou na música brasileira, misturou com pop e entregou cinco faixas autorais que falam de amor, perda e, principalmente, do que é ser mulher.
Com "Manda e Desmanda", Lettié nos convida a uma nova etapa dessa jornada. Uma música que, em suas palavras, nasce do reencontro no caminho e promete continuar o legado de conexões e emoções autênticas que ela vem construindo. Se Veneno foi um mergulho, "Manda e Desmanda" é a continuidade dessa imersão.
Direto da Baixada Fluminense, Jxão e Sabat entregam em “Copão de 700” um funktrap que é a cara do Rio de Janeiro: ostentação, batidão e aquele clima de baile que faz qualquer um querer descer até o chão. É som pra rebolar sem compromisso, encher o copo de vodka com energético e ficar tranquilão, enquanto o beat estoura e o grave fala mais alto.
Com rimas cheias de atitude, Jxão e Sabat trazem o melhor da vibe carioca, misturando o ritmo da favela com a energia das ruas. “Copão de 700” não é só sobre curtição — é sobre ostentar no estilo, botar pra quebrar e viver o momento. Aquele som que te faz querer subir o morro pro baile e, quem sabe, terminar a noite em casa, bailando do jeito que só o funk sabe proporcionar.
Dá o play no clipe oficial e sente a energia. É funktrap puro, direto da Baixada pra pista. E se o copo estiver vazio? Não tem problema, só enche de novo e deixa o som fazer o resto! Ah, e pra quem curtiu, “Copão de 700” faz parte do EP Além do que se vê, lançado neste ano. Corre lá nas plataformas digitais e aproveite o som!
Lis MC traz um som que é um verdadeiro manifesto em "Saldo Líquido", faixa que se destaca no álbum Pequenas Empresas & Grandes Negócios. Com produção de Sono TWS, a música é uma síntese do corre underground: lírica afiada, batida suja e uma mensagem poderosa que vai além do óbvio. É o grito de quem busca melhoria, sabendo que o jogo é duro, mas sem abrir mão de sua essência.
"Saldo Líquido" não é só sobre rimas e beats — é sobre a luta constante por espaço, sobre mostrar que a arte underground também tem qualidade e profundidade. Lis MC entrega tudo com uma sagacidade que faz cada verso bater diferente, com linhas que carregam vivência e força.
Além de tudo, a produção de Sono TWS complementa a energia da faixa com um boombap visceral, trazendo aquela atmosfera crua e direta que combina perfeitamente com a mensagem de Lis. Não é só um som pra ouvir; é um som pra sentir.
Se "Saldo Líquido" é uma prévia do que Lis MC ainda vai alcançar, já dá pra dizer que o futuro é promissor. Ouça, deixe o beat te levar e absorva cada linha — porque esse trampo merece toda sua atenção.
“HOV 97’” é mais do que uma música — é uma reafirmação. Produzido por Kashinthesujo. Diretamente de Madureira, o selo CRIS. traz para o som a força de sua origem e a missão de conectar cultura preta, criatividade e vivências periféricas. O nome, uma homenagem à boemia da Zona Norte carioca, agora transcende o conceito de selo musical e se posiciona como uma plataforma de suporte cultural, celebrando o underground como a base do mainstream.
Com ieti, Pedro Saci e Raro, “HOV 97’” é uma faixa que carrega o peso do corre e a verdade das ruas. Cada verso é uma declaração: de onde vieram, para onde vão e como o selo CRIS. é a ponte que conecta o clássico ao novo. É sobre reafirmar que o olhar periférico tem força para moldar e reinventar a cultura, como sempre fez.
E o futuro? Já está no radar: o selo promete uma mixtape para o próximo ano, consolidando sua missão de apresentar ao público o que ainda não encontrou os holofotes da grande mídia. CRIS. é o farol que ilumina os artistas emergentes, o espaço que celebra o novo e que faz do som um manifesto vivo. “HOV 97’” é só o começo. Dá o play e sinta o impacto.
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