nssmnsb do MC Cabelinho é uma Crítica ao Falso Moralismo
- Pivete
- 10 de jan.
- 4 min de leitura

Não é nem que eu não faça nada de errado, que eu seja um “santo”, mas também não sou um criminoso, uma pessoa ruim. Eu sei que, para vocês, eu carrego todos os traços de um inimigo em comum: minha cor de pele, meus traços, minhas vivências, meu CEP… A eterna forma marginal de lidar com o mundo. Hábitos específicos de quem cresceu no contexto da falta, da injustiça, do desprezo.
Agora vocês vão ter que lidar com o meu jeito de ser, mesmo que isso machuque seu falso moralismo, sua ética deturpada. Minhas armas são minha autoconfiança, uma segurança conquistada no meio de um mar de frustração e dor, até que emergiu um vencedor.
Eles não estão acostumados com quem não abaixa a cabeça para eles, não suportam aqueles que desnudam a hipocrisia dessa falsa superioridade que eles venderam por tanto tempo.

Mas existe uma revolta aí, um ódio que, se não for bem administrado, pode se tornar uma faca de dois gumes. É necessária sabedoria para lidar com essas armadilhas que a vida de um homem negro e periférico apresenta.
Não ache que todo o seu contexto não vai continuar cobrando um preço caro, que você não vai sofrer as consequências de tanta opressão, descaso e falta. Aceitar a margem como filosofia de vida e, mesmo assim, crescer e vencer, não é nada amistoso. Eles não te querem aí, estão esperando o momento certo para te prejudicar. E você também vacila, mas não é para tanto...
O novo álbum do MC Cabelinho é como uma continuação dessa "carta aberta", um desabafo contra tanta hipocrisia, direcionado a uma geração tão jovem de moralistas que opinam sobre os atos alheios, fazem julgamentos arbitrários e compartilham por aí, sem nenhuma consciência ou respeito.
Não que o Cabelinho seja santo, mas também não é nenhum bandido. Seus atos não são tão repreensíveis assim, e boa parte deles está ligada a questões pessoais e íntimas. No país que inventou o motel, usar traição como justificativa para condenar alguém é pura hipocrisia.
E olha que eu já fui traído e sei bem como é ruim.
Em 2022, um aplicativo de encontros chamado Gleeden fez uma pesquisa sobre infidelidade no Brasil. A pesquisa revelou que 8 em cada 10 brasileiros foram infiéis e que 7 em cada 10 acreditam ser possível amar e trair ao mesmo tempo. Além disso, mostrou que 62% dos brasileiros consideram a infidelidade algo natural até certo ponto.
Não vim defender traição, mas aproveito o trabalho lindo que o Cabelinho criou para falar sobre esse falso moralismo que é talvez um dos aspectos mais marcantes da nossa cultura.
Vemos isso em tudo: na política, no futebol, na religião, na economia, na academia. É uma moral que acaba em si, sem capilaridade no material. Um país roteirizado por um “jeitinho” de fazer as coisas, que envenena todas as nossas relações como nação.

Dos militares aos políticos, dos artistas aos cientistas, dos pastores aos traficantes, do pobre de direita ao gay bolsonarista, falta realidade. E isso não é apenas uma impressão. Em um estudo que já foi chamado de Índice de Ignorância, os brasileiros ocupam a 2ª colocação mundial em distorcer a percepção da realidade.
Enquanto isso, grande parte do país consome influencers como se fossem gurus. Influencers que, muitas vezes, vendem sonhos falsos ou promovem jogos de azar para pessoas pobres, simplesmente porque recebem contratos que lhes garantem 30% das perdas dos seus seguidores.
Na minha humilde opinião, as palavras do ano nesse grande pássaro verde e amarelo foram “bet”, “job” e “tigrinho”.
Esse último, "Tigrinho", é um dos sons mais potentes do álbum do Cabelinho. Uma das faixas que parecem ter sido incluídas por último, talvez como uma síntese dos acontecimentos recentes. É um grito contra críticas que vão além da música, como aquelas direcionadas ao clipe de "Bala e Fogo", em parceria com Teto, considerado “demoníaco” por alguns. Essa questão vai além da música: é religiosa.
É um ataque explícito à fé do cantor e evidencia o moralismo cristão hostil a tudo o que não compreende. Essa moral julga demais, condena demais e, se pudesse, coibiria violentamente outras expressões de fé, como já faz, enquanto se vende como vítima.
"Tigrinho" é isso: uma reflexão sobre o preço que se paga por estar em destaque em uma sociedade hipócrita, que sempre vai te ler da forma mais negativa possível, apenas por você ser quem é.

Mas, como diz Cabelinho: "Ninguém é perfeito."“Quem seria eu sem meus defeitos?” Ele se constrói entre os prós e os contras, entre erros e acertos, entre o talvez e a certeza. Somos assim, e, infelizmente, até o falso moralismo, com todas as suas reverberações, pode ensinar algo. Ensina a lidar com as máscaras, com a inveja disfarçada, com o fato de que o lugar onde você está é cobiçado. No Brasil, nem no futebol o "fair play" funciona como deveria.
A vida continua, mas será que 100%? O álbum é cheio de momentos em que Cabelinho parece afirmar que superou tudo isso. Mas, ainda assim, é nítido que os questionamentos e desabafos sobre a suposta traição, o término e as consequências estão lá, marcando cada faixa. A vida segue, mas a mente é a mesma, o corpo é o mesmo. Pelo menos rendeu boa música.
"Terminei recentemente", "Garrafa vazia", "Misericórdia", "Carta aberta", "Menor pecador" — os títulos já entregam o tom confessional do álbum. É como se Cabelinho estivesse em um confessionário, dando sua versão da história. Ele assume os erros, mas também denuncia a reação desproporcional que recebe.
E não preciso entrar nesse detalhe. Sabemos bem por que é desproporcional.
Fecho com o trecho de "Quem me dera":
"Tô fora dessas treta de internet / Nenhum comentário que tu faça vai entrar na minha mente / Perder meu tempo com pessoas que nem me conhece / Enquanto isso, eu tô com ela dando mais um pente."
A vida continua. Será que segue em paz?
Pelo menos, Cabelinho fez questão de transformar tudo isso em arte.
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