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Não estamos sozinhos

Por Carlos Douglas


Ficha técnica: Encontro com Rama é um romance de ficção científica escrito por Arthur Charles Clarke que aborda o encontro da humanidade com um misterioso artefato alienígena que entra no sistema solar. A princípio os cientistas pensam que o imenso objeto é um asteroide com potencial para extinguir toda vida na terra, mas a medida em que o objeto se aproxima, descobrem que é algo muito mais intrigante e surpreendente. O livro foi lançado no Brasil, em 2011, pela Editora Aleph, e está na sua terceira edição (2020), com a tradução de Susana L. de Alexandria, a capa de Mateus Acioli, revisão de Hebe Ester Lucas e Isabela Talarico.



Mini BIO

Arthur Charles Clarke nasceu na cidade de Minehead, na Inglaterra, em 16 de dezembro de 1917. Desde a infância se interessou por revistas de ficção científica, como a Amazing Stories, e durante a adolescência construir o seu próprio telescópio. Em 1934, aos 16 anos, associou-se a British Interplanetary Society (BIS), começou a escrever para o boletim informativo da BIS e ficção científica sob o pseudônimo "Ego", "Arthur Ego Clarke" ou "E.G.O’Brien". Durante a Segunda Guerra Mundial, como oficial da Força Aérea Real Inglesa (RAF), Clarke esteve encarregado da pesquisa do primeiro equipamento de controle de aproximação por radar.

Em 1946, após o fim da guerra, publicou um artigo científico na revista Wireless World intitulado Extra-terrestrial Relays, o qual estabelece os princípios da comunicação usando satélites em órbita geoestacionária. Ingressa no King’s College London para formar-se em física e matemática, graduando-se no ano 1948. No mesmo ano, escreve sua primeira novela de ficção científica, a Prelude to Space, baseada nos estudos de sua graduação, mas que só foi publicada em 1951.

Durante a década de 1950 publica dois livros: um livro de caráter técnico-científico, Interplanetary Flight: An Introduction to Astronautics, e uma ficção científica, "Fim da Infância". Este último, muito aclamado pela crítica, o torna autor famoso como escritor de ficção. Clarke era mergulhador e, em parceria com Mike Wilson and Rodney Jonklaas, realizou o documentário The Reefs of Taprobane, filmesobre suas explorações submarinas na costa do Sri Lanka, lugar onde residiu por cinco décadas. Também publicou o livro The Challenge of the Sea, que influenciou a NASA a introduzir o mergulho como parte do treinamento de seus astronautas. Em 1964, juntamente com Stanley Kubrick, começa a trabalhar em um filme de ficção científica que veio a se chamar "2001: Uma Odisseia no Espaço".

Em julho de 1969, junto com Walter Cronkite, cobriu ao vivo na televisão o primeiro pouso do homem na lua. Em 1973, publica "Encontro com Rama", romance que foi aclamado pela crítica e ganhou sete prêmios de ficção científica, dentre eles o Nebula Award. Sobre o livro, John Leonard, do jornal The New York Times, escreveu que embora achasse Clarke "positivamente indiferente às sutilezas da caracterização" dos personagens, seu romance era incrível por transmitir "aquele toque arrepiante do alienígena, do pouco conhecido, que distingue a ficção científica em sua forma mais técnica e imaginativa". Clarck publicou dezenas de outros títulos antes de falecer, em 2008, aos 90 anos, consagrado como um dos maiores escritores de ficção científica de todos os tempos.

Capa da 1ª edição britânica

A recepção

"Encontro com Rama" superou todas as expectativas e, logo após sua publicação, tornou-se um dos livros ficcionais mais importantes de Clarke, tendo chegado ao topo das maiores premiações para novelas do gênero. A sombra de "2001: Uma Odisseia no Espaço", considerado naquele momento uma história insuperável pelos críticos e leitores, houve certa cobrança sobre Clarke e especulações com relação a sua mais nova produção. Porém, em 1973, no ano de sua publicação, o livro ganhou o Nebula, um dos prêmios mais relevantes da ficção científica, e o prêmio da Associação Britânica de Ficção Científica.


Prêmio Nebula de Arthur C. Clarke

No ano seguinte, ganhou mais quatro prêmios de melhor novela de ficção científica: Hugo, Jupiter, Memorial de John W. Campbell e Locus. E, em 1980, recebeu o Seiun, prêmio da literatura japonesa para ficção científica, consagrando Clarke como escritor de relevância internacional. "Encontro com Rama" acumulou um total de sete prêmios como melhor novela de ficção científica e tornou-se o livro do escritor mais aclamado pela crítica.

No mês em que foi publicado nos EUA, em 22 de agosto de 1973, John Leonard, resenhista do New York Times, escreveu uma crítica sobre dois lançamentos de ficção: "Encontro com Rama" e Tima Enough for Love, de Robert Heinlein. Sobre o livro de Clarke, considerou que o autor não escreveu algo tão ambicioso quando seu primeiro grande romance, "O Fim da Infância", mas pegou um "problema formal na melhor tradição da ficção científica (...) e trabalhou como se fosse um acordeon, conseguindo uma bela melodia". Leonard destaca que Clarke é positivamente "indiferente às sutilezas da caracterização", deixando de lado os personagens para focar em uma ficção científica na sua forma imaginativa mais técnica.

Mark Wilson, colunista do About.com, destaca que o realismo da narrativa de Clarke sacrifica os personagens em prol de Rama: "a única entidade realmente interessante". Porém, a história "é infalível quando tomada como uma exploração inventiva de como um mundo interestelar artificial poderia funcionar e como seria tratado pela humanidade". Neste sentido, Leonard destaca uma das possíveis razões para o romance ter sido tão aclamado no meio da ficção científica: o realismo da narrativa faz parecer verossímil a história, oferecendo uma especulação para como é a vida lá fora e como ela pode ter colonizado a galáxia.

Durante a década de 1970, apesar da conjuntura de crise nos programas aeroespaciais das duas grandes potências mundiais, EUA e URSS, a humanidade permanecia assombrada com as descobertas sobre o universo das últimas década, especialmente as viagens espaciais e o pouso na Lua, narrado ao vivo pelo próprio Clarke na TV. Apesar disso, na década de 1970, Stephen Hawking desenvolveu suas teorias sobre os buracos negros, e Carl Sagan montou a primeira mensagem física enviada ao espaço fixada na sonda espacial Pioneer 10, lançada em 1972, e uma mensagem mais elaborada foi enviada nas sondas espaciais Voyager 1 e Voyager 2, em 1977.

Foi também nessa contexto, em 1972, que o então presidente estadunidense Richard Nixon e o primeiro-ministro soviético Alexei Kosygin assinaram um acordo convocando uma missão espacial conjunta e declarando a intenção de que todas as futuras naves espaciais tripuladas fossem capazes de acoplar umas às outras. A missão ocorreu em julho de 1975 e seria o último voo espacial humano dos Estados Unidos até o primeiro voo do ônibus espacial, em abril de 1981. Apesar da década não ter sido marcada por grandes avanços do homem na fronteira espacial, a curiosidade científica pelo o universo e, especialmente, pela possibilidade de vida em outros lugares da galáxia permaneciam pujantes.


O mistério de Rama

A história se passa no século XXII, período em que a humanidade já teria colonizado grande parte do sistema solar. A narrativa apresenta um fato que teria mudado a mentalidade da humanidade com relação a ela mesma e sua posição no universo: em 2077, um meteoro caiu na Europa matando 600 mil pessoas, destruindo as cidades de Pádua, Verona e Veneza, e causando um prejuízo estimado em 1 trilhão de dólares. A possibilidade de novas colisões teria unido a humanidade no projeto Spaceguard, que pretendia ser uma linha de defesa espacial contra a ameaça de outros asteroides.

Então, em 2130, os radares do Spaceguard posicionados em Marte descobrem um novo "asteroide", catalogado no banco de dados como 31/439, com um tamanho excepcional de 40 km. Bill Stenton, operador do sistema, só teria descoberto o objeto no dia seguinte ao analisar as informações armazenadas no banco de dados. Stenton batizou o objeto de Rama, um dos avatares de Vishnu, deus Hindu responsável pela conservação e sustentação da vida no mundo. Curiosamente, Rama parecia girar muito rápido, o que era bastante incomum para um objeto tão grande. A hipótese inicial era que Rama poderia ser parte de uma estrela implodida, um sol morto, mas nenhuma massa de dimensão estelar poderia penetrar tão fundo no sistema solar sem ser percebida a muito tempo.

Após a descoberta, o Conselho Consultivo Espacial se reuniu e decidiu lançar uma sonda espacial para mapear e identificar suposto asteroide. Nas primeiras imagens descobrem que Rama era um objeto cilíndrico uniforme de superfície cinza opaca e geometricamente perfeito. Outra conclusão era que Rama seria leve demais para ser sólido e, provavelmente, devia ser oco. Ou seja, era impossível que Rama fosse um objeto natural, como os cientistas haviam suposto anteriormente. "O encontro, tão esperado e tão temido, finalmente ocorrera. A humanidade estava prestes a receber seu primeiro visitante das estrelas".

Frente a conclusão de que Rama era um artefato alienígena, a humanidade decide enviar uma nave para pousar em sua superfície e investigar mais de perto. A Endeavour, nave do comandante Norton, é escolhida para realizar a aterrisagem mais importante da história da exploração espacial desde o pouso na Lua.


O interior de Rama

Após o pouso bem sucedido da Endeavour, um comitê científico formado na Terra decidiu por abrir o artefato, apesar da oposição de grupos alarmistas contrários. Assim, o comandante Norton e o tenente Karl Mercer formam a primeira equipe de atividade extraveicular com a missão de abrir uma escotilha para o interior de Rama. Ao entrar no artefato e se tornando o primeiro homem de toda a humanidade a contemplar as obras de uma civilização alienígena, Norton compara Rama a uma tumba, pois talvez fosse mais velho que a própria humanidade.

Rama desafiava dois dogmas da ciência: primeiro, que o universo era uma arena de forças titânicas e impessoais, como a gravitação, o magnetismo e a radiação; segundo, que era impossível para a vida atravessar o abismo interestelar. Porém, até aquele momento não haviam detectado vida em Rama, e o artefato mais parecia uma espécie de "arca espacial" (conceito que remota as ideias do cientista de foguetes russo Konstantin Tsiolkovski e do físico britânico J. D. Bernal).

A hipótese inicial dos cientistas era que Rama sustentaria uma ecologia para sobreviver no máximo 10 mil anos, tempo adequado ao transporte entre os sois apinhados no centro da galáxia, mas não num lugar como o sistema solar nos braços da espiral. Sendo assim, o artefato foi considerado um "navio abandonado", apesar de sua órbita estar apontada com precisão para o sistema solar.

O interior de Rama era como um pequeno mundo, com ar, clima, planícies, edificações e um mar que pareci ser composto de água em estado sólido, mas o local estava desabitado, tudo parecia novo e sem uso. Assim, a exploração do interior do artefato prosseguiu na medida em que este se aproximava cada vez mais a órbita do sol. Em sua aproximação o clima no interior de Rama começava a mudar, havia possibilidade de furações e o mar cilíndrico estava descongelando. Num dado momento, na parte sul do cilindro revelaram-se poderosos refletores que acenderam: "quem ou o que tinha acendido as luzes de Rama?".


Ovo cósmico

As mudanças no interior do artefato começavam a produzir novas hipóteses entre cientistas e exploradores. O historiador Lewis, membro do Comitê Científico de Rama, ao analisar o material enviado pelo comandante Norton e sua equipe, disse em tom conclusivo: "Rama é um ovo cósmico que está sendo chocado pelo calor do sol. A casca do ovo pode se romper a qualquer momento". O espaçonauta Rodrigo, da equipe do comandante Norton, crente da religião cosmo-cristeira, comparou Rama a Arca de Noé bíblica, enviada para salvar os que fossem dignos.

Com o degelo, perceberam que o mar cilíndrico não era feito de água, mas de uma espécie de sopa orgânica. Rama havia passado do estado anaeróbico para plantas fotossintéticas em 48h. A água estava viva: "cada colher de sopa continha milhares de microrganismos esféricos e unicelulares, semelhantes as primeiras formas de plâncton que existiram nos oceanos da terra". Em pouco tempo criaturas complexas começam a surgir, mas elas não eram semelhantes a vida terrestre, pareciam biômatos, um tipo de robô biológico.

Uma crise se instaura nos Planetas Unidos (Mercúrio, Terra, Lua, Marte, Ganimedes, Titã e Tritão) sobre o que fazer com o artefato, que parecia estar estabelecendo uma órbita no Sol. O embaixador de mercúrio assumiu um tom de alerta com relação a Rama, apresentando o artefato como um perigo iminente para a humanidade. Em meio à crise, antes de evacuar Rama, o capitão Norton abre um buraco nas construções hermeticamente fechadas e descobre o visual de objetos de um possível traje ramano, com três braços e três pernas.

Rama parecia acelerar, mas não havia qualquer propulsão visível, colocando em xeque a terceira lei de Newton. O artefato ia diretamente para o Sol, mas não era afetado pelo calor, envolto numa esfera perfeitamente refletora parecia apenas aproximar-se para aproveitar a energia da estrela. Ao atingir o periélio, ao contrário do que alguns acreditavam, Rama não estabeleceu órbita no Sol, mas lança-se em direção a Grande Nuvem de Magalhães.


Conclusão

Encontro com Rama é uma das obras primas de Arthur C. Clarke, não necessariamente pela excelência narrativa, em termos tradicionais, que segundo os críticos deixa a desejar na construção dos personagens, mas pela centralidade do objeto como personagem e elemento da trama. A narrativa do livro se desenrola análoga a pesquisa de um cientista sobre seu objeto de estudos, onde este lança perguntas e realiza descobertas graduais sem necessariamente chegar a conclusões definitivas, mas a perguntas cada vez mais complexas. Os personagens, como capitão Norton, os membros da sua equipe, os cientistas, diplomatas e políticos, são apenas coadjuvantes que instigam o olhar curioso do leitor sobre o artefato, o verdadeiro protagonista da novela.

Essa é uma das razões para Encontro com Rama ter tido uma recepção tão acalorada no meio literário da ficção científica, que durantes as décadas de 1960, 1970 e 1980, foi um espaço de vazão para especulações metafísicas que não cabiam no campo acadêmico-científico. A temática do livro atendia a uma curiosidade corrente dos cientistas e do público, intuindo a possibilidade de respostas para perguntas que que a humanidade estava se fazendo: existe vida fora da Terra? Como seria a vida fora da Terra? É possível a vida viajar pelo universo?

A novela consegue captar todo esse clima de expectativas gerados pelas recentes descobertas e conquistas da humanidade com relação a fronteira espacial. Também lança um olhar sobre a humanidade unificada em prol de um bem comum e razões maiores, o que traduz o desejo global de arrefecimento do clima beligerante estabelecido durante a guerra fria.


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