Quando aprendi a amar
- Pivete
- 20 de fev.
- 5 min de leitura
Atualizado: 21 de fev.

Não foi em um dia qualquer.
Foi um processo de construção que atravessou três décadas.
Talvez eu ainda não me ame por completo, mas já me amo mais que ontem e menos que amanhã.
O caminho até aqui não foi terapêutico. Foi doloroso, foi impetuoso — não só para mim, mas também para aqueles que tentaram me amar.
Quando percebi que já conseguia me amar, ao menos um pouco, foi revolucionário. Passei a me enxergar mais bonito, mais disposto a amar e ser amado.
Ressignifiquei meus sentimentos, mudei minha forma de amar. Ele se tornou um sopro de vida, o quente do sol, o nascer de uma borboleta.
A raiva, o medo e a tristeza ainda existem em mim, mas foram sobrepostos por uma vontade genuína de me ver com outros olhos, de aceitar quem sou.

Quando entendi o que era amor.
Esqueci a violência que um dia presenciei — aquilo não era amor.
Compreendi que o desafio não é somente começar a amar, mas aprender como amar. Saber dosar a química que pode ser cura ou veneno.
Aprendi a distinguir o que é só desejo, o que é só paixão, e o que realmente é amor.
Em sua simplicidade ou complexidade, entre literaturas e experiências coletivas, em momentos em que ele se confunde com frustração, em dias em que meu coração mais dói do que bate.
Nunca gostei de amar.
Sempre me senti vulnerável, preocupado demais. A ansiedade atacava, o ciúme batia como um sino ao meio-dia.
Eu não sabia o que era amor. Sabia o que era posse, sabia o que era insegurança.
Não sabia me libertar das amarras que nos colocam — desde fora, desde dentro.
Não somos frutos sadios.
Alguns mais bem cuidados que outros. Será que te regaram o suficiente? Pegou bastante sol? Quais frutos você dará?
Meus pais me ensinaram um amor que teve sua beleza, mas em outros momentos foi cru.O que poderia ter sido? O que foi? Quem sou eu para julgar?
Só sei que amei acreditando amar. Mesmo sem saber como.
Amei acreditando.
E sei que todos os meus amores foram verdadeiros.
Sinceros, nos erros e nos acertos.
Sou a construção de quem me atravessou, de quem me estendeu a mão e me permitiu o íntimo.
Daquelas que me disponibilizaram a vulnerabilidade, a nudez, o sentimento.
Meus passos mais lentos, meus olhos marejados, meus abraços apertados, meu lábio úmido, meus pensamentos meio atrapalhados.
Tudo foi meu, mesmo sem saber meu lugar, mesmo sem entender meu papel, mesmo quando confundi, mesmo quando menti, mesmo quando fingi ou simplesmente omiti.
Eu tava lá.
Era eu.
Era o que eu acreditava ser amar.
Talvez tenha aprendido.
Ou talvez não.
Talvez seja algo que se reaprende diariamente.
Não tem fórmula exata.
É abstrato, lírico,da alma, do espírito.
Amar não é um código binário.
Não se ensina para máquinas.
Não se calcula em aulas de engenharia ou matemática. É subjetivo.
Tudo que sinto não pode ser medido por números.
Tem que ser estudado, interpretado e refletido.
Por isso é tão difícil.
Por isso tantos casos de violência, tantos términos, tantas brigas, tantos poemas, tweets, histórias mal contadas.

Sempre achei essa parada de gostar de alguém bem complicada, sabe?
É outro ser, com todos os seus vícios e virtudes, sua complexidade, um apanhado de construções que dão vida àquele sorriso lindo que mexe com a química do meu cérebro.
Mas, como diz bell hooks, o amor não é somente um sentimento — é uma escolha, uma ação consciente.

No seu livro Tudo Sobre o Amor: Novas Perspectivas(1999), ela critica a ideia romantizada que a sociedade impõe, argumentando que amar exige comprometimento, cuidado e respeito mútuo. Isso me faz pensar em quantas vezes confundimos desejo com amor, posse com cuidado, medo com zelo.
E volta e meia estamos diante desse quebra-cabeça, buscando entender qual a melhor combinação, tentando encontrar a forma certa para, enfim, ter um retrato do que te encanta, te fascina, te faz questionar seus sentimentos — que, com um olhar, faz você ganhar o dia.
Mas hooks nos lembra que amar não pode ser um jogo de peças encaixáveis, não é sobre encontrar a “metade da laranja”.
Amar é compromisso, sim, mas não no sentido de aprisionamento, e sim como um pacto de crescimento conjunto.
Para ela, o amor verdadeiro só existe onde há equidade, onde ambos podem ser inteiros e livres na relação.
Um pouco socrático, outras vezes platônico, mas nunca um amor como fraqueza — e sim como ação.
Como em hooks, na forma de compromisso em construir algo a dois.

Só que nem todos aprendemos assim. Em A vontade de mudar: Homens, masculinidades e amor (2004) — que ainda não terminei de ler, mas sobre o qual me arrisco a escrever —, bell hooks discute como o patriarcado ensina os homens a dissociarem o amor da vulnerabilidade, transformando-o em um campo de poder e dominação.
Desde cedo, somos treinados para ver o amor como um risco, uma exposição perigosa.
O patriarcado nos ensina a ser duros, a esconder o que sentimos, a medir nosso valor pelo controle que exercemos, e não pela profundidade das nossas conexões.
E talvez por isso tantos homens amam mal.
Como me ensinaram a amar? Como aprendi a demonstrar afeto? Quantas vezes confundi paixão com posse, cuidado com ciúme, proteção com controle? hooks nos mostra que muitos de nós, homens, nunca fomos realmente ensinados a amar, apenas a desejar.
Por isso, para mim, o amor precisa ser um ato de desaprendizagem.
Precisamos reaprender o que significa cuidar, compartilhar, confiar. hooks destaca que, para os homens negros, essa jornada é ainda mais complexa.
Somos atravessados não só pelo patriarcado, mas também pelo racismo, que historicamente nos desumaniza, nos rotula como violentos, hipersexualizados, incapazes de serem afetuosos.
E nessa armadilha, muitos de nós acabam reproduzindo um modelo de masculinidade que nos distância do amor real.
Queremos ser fortes, inatingíveis, insensíveis — porque foi assim que nos disseram que um homem deve ser.
Mas essa força que nos vendem é uma prisão. hooks nos desafia a rejeitar essa ideia, a buscar um amor que nos permita ser plenos, vulneráveis, verdadeiramente livres.
Sem rótulos ou com, mas sempre com respeito.
Um compromisso com o cuidado, ao serem dois seres que se tornam vulneráveis, expostos mutualmente, em busca de amor, de afeto.

Amar é um ato que foge do convencional.
Acredito que não seja só o que se vende na mídia ou o que se prega por aí.
É um sentimento com inúmeros significados, muitas vezes mal compreendido, que se torna uma arma se mal usado — que fere, que mata — mas que também cura, nos faz renascer.
Para hooks, a libertação dos homens negros passa pelo amor.
Não o amor como posse, mas como um caminho de resgate emocional.
Precisamos aprender a demonstrar afeto, expressar dor, pedir ajuda.
Precisamos desconstruir essa ideia de que o amor nos enfraquece.
Pelo contrário: o amor é o que nos fortalece.
Repensar constantemente o ato de amar, gostar, se apaixonar — pode escolher — para mim, é um ato revolucionário.
É movimento.
É entender que não somos os mesmos de antes, que nossos limites mudam, nossas necessidades também, assim como o lugar onde estamos.
Por isso, não me apresso.
Deixo estar.
Não deixo mais me afobar.
Será que o que sinto perpetuará?
Difícil dizer, pois já não sinto o mesmo de dias atrás.
Mas talvez seja esse o segredo do amor: um eterno aprendizado, um constante recomeço.
E, como hooks nos ensina, uma prática diária de liberdade.
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