top of page
  • Instagram
  • Facebook
  • Twitter
  • YouTube

Quando Falar Também Dói ❤️‍🩹

  • Foto do escritor: Pivete
    Pivete
  • 8 de abr.
  • 4 min de leitura


Talvez eu tenha desaprendido a conversar. Assim como acredito ter esquecido como se anda de bicicleta. Mas, no fundo, sei que, se tentar, em pouco tempo estarei me equilibrando novamente — reencontrando o ritmo, me adaptando às pedaladas com a força dos meus próprios pés.


O corpo aprende, o corpo lembra. Talvez a fala também.

Talvez a terapia nunca seja demais. Não consigo enxergar um ponto final nela. Algumas dores se repetem como ciclos disfarçados, e a gente só se dá conta quando se vê de novo naquele mesmo lugarzinho do déjà-vu — familiar, incômodo, insistente. Um canto do peito onde parece que o tempo parou, e certas feridas voltam a coçar.


"Melancolia" - Edvard Munch
"Melancolia" - Edvard Munch

Aceito as condições para viver em paz. Eu sou assim — inteiro nas minhas tentativas, limitado nos meus silêncios. Mas não me peça para esquecer as chagas. Estão expostas na minha pele, como cicatrizes que não se escondem nem com o sol. E se você olhar de perto, verá mais do que marcas: verá a história que a dor escreveu em mim, os caminhos por onde precisei passar, os pesos que precisei carregar.


Falamos o tempo todo sobre tantas coisas, mas certas conversas ficam para trás. Não por falta de importância, mas por falta de espaço. Ficam ali, guardadas no fundo do peito, trancadas por medos antigos, por desconfianças ainda vivas, por julgamentos silenciosos que nos convencem de que “não vale o esforço”.

"A Mulher Azul" - Picasso
"A Mulher Azul" - Picasso

Porque dizer certas coisas exige coragem: atravessar o medo do confronto, desafiar o silêncio herdado, encarar a possibilidade de não ser compreendido.


Tem conversa que machuca mais do que o silêncio.

Falar, para mim, nem sempre é simples. Há verdades que pesam. Há palavras que deveriam ser desnecessárias, porque o óbvio também deveria ser cuidado. Mas não é. Esperam que eu nomeie as frustrações, que eu descreva as dores, que eu entregue em bandeja o que já me custa tanto só existir.


E aí, muitas vezes, opto pelo silêncio: carrego o fardo do “tudo bem”, o conformismo do “pode ser”, ou o peso quase insuportável do “deixa pra lá”.
"A Morte de Casagemas" - Picasso
"A Morte de Casagemas" - Picasso

É muita carga para uma vida que já caminha na beira do abismo — na corda bamba da incerteza, no medo da falta, no cansaço de correr atrás do que, desde cedo, disseram que não era pra mim.

Tantas vezes fui silenciado. Tantas vezes não fui ouvido, não fui citado, não fui lembrado.


Aprendi a lidar com a ausência de palavras e com a falta de significado.

E fico me perguntando: quem nos ensinou a falar? Houve, algum dia, uma escola para conversas honestas?


Na minha infância, os lares eram barulhentos, mas pouco comunicativos. Amores frágeis sustentados na ausência de cuidado. Meus pais quase não conversavam. Muito se gritava. Muito se mandava. Tudo era reativo, automático, urgente. Posicionamentos rasos em piscinas sem profundidade.


Aprendemos a sobreviver, mas não a dialogar.
"A Tragédia" - Picasso
"A Tragédia" - Picasso

A fala é construída. A conversa, rara. Porque não é ensinada. Não é incentivada. O tempo corre, a sobrevivência grita, e a vida exige funcionalidade. Fala-se o necessário para manter a máquina em funcionamento. Mas ninguém para para ouvir os estalos da engrenagem, o ranger dos parafusos, a ausência de óleo. Ninguém liga se a máquina está aos poucos se desfazendo — se está funcionando, já basta. E o mundo gira.


Nos meus relacionamentos, vez ou outra a falta de comunicação virava pauta. Era cobrada, apontada, jogada na mesa como algo que estava sempre por um triz. E, mesmo quando eu me propunha a falar — mesmo quando já havia dito tanto — ainda assim parecia faltar algo.


Talvez porque falar não seja só dizer; é também escutar, interpretar, sustentar o que foi dito depois que a palavra escapa.
"A Menina Doente" - Edvard Munch
"A Menina Doente" - Edvard Munch

Não dá para compartilhar uma vida sem diálogo. Não dá para contar com o acaso todos os dias. Silêncios se acumulam, e em algum momento se transformam em ruído. E eu, nesses momentos de cobrança, aceitei o fardo. Me coloquei à disposição da conversa. Busquei o desconforto. Pedi espaço para nomear o que doía, para construir pontes onde antes havia só mal-entendidos.


Mas não é simples. Não é instintivo. Faltavam repertórios, faltavam modelos. Faltava até um vocabulário emocional mais preciso. A gente cresce em ambientes onde não se conversa — se ordena, se desvia, se cala, se explode. E então, amar alguém exige uma habilidade que ninguém nos ensinou.


Tive que aprender na marra.
"O Grito" - Edward Munch
"O Grito" - Edward Munch

Aprender a falar sem machucar, a ouvir sem me perder. Aprender a reconhecer a tensão no ar, os fios soltos que ninguém amarra, mas que todos sentem. Fios elétricos: qualquer movimento brusco pode provocar um choque. Então, fui pisando leve, tentando fazer do diálogo um caminho, não uma armadilha.


Mas há um paradoxo que ninguém conta: o diálogo em excesso também cansa. Quando tudo precisa ser dito, esmiuçado, revisitado, pode virar peso. A busca pela compreensão absoluta pode se transformar num abismo — onde nada nunca está bom o suficiente, claro o bastante, completo de verdade. E, ironicamente, o esforço de comunicar vira o motivo do desgaste.


Falar demais, às vezes, também afasta.
"Retrato do Dr. Gachet" - Vincent van Gogh
"Retrato do Dr. Gachet" - Vincent van Gogh

Foi assim que entendi que conversar é uma arte frágil. Fina como porcelana. Falar é importante, mas exige ritmo, exige cuidado, exige timing. Às vezes, também exige silêncio. E o difícil é encontrar o equilíbrio entre o que precisa ser dito… e o que pode, simplesmente, ser sentido.

No corre diário, entre a escassez de tempo e a abundância de cobranças, o silêncio vira um privilégio.


São tantas horas gastas com os outros — e quanto tempo sobra só pra mim? Quase nenhum.
"Melancolia" - Paul Gauguin
"Melancolia" - Paul Gauguin

Não tenho sequer tempo pros meus. Pros meus irmãos, pras minhas irmãs, pra ouvir quem eu amo, pra transformar o não-dito em palavra viva. E me dói. Sinto muito pela ausência de diálogo. Mas a verdade é que preciso me dedicar tanto a sobreviver que, para alguns, tudo o que conseguirei oferecer será o silêncio — não por descaso, mas por pura exaustão.


Talvez um dia eu volte a pedalar entre as palavras — com menos medo, com mais fôlego, com o coração mais leve.

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
logo.png
  • Branca Ícone Instagram
  • Branco Facebook Ícone
  • Branco Twitter Ícone
  • Branca ícone do YouTube

Todos os Direitos Reservados | Revista Menó | ISSN 2764-5649 

bottom of page