Resenha: Pô-ética!
- F. Moura
- 10 de jan. de 2023
- 3 min de leitura
Por Felipe Moura
Alguns livros fazem a nossa cabeça!

Livro: euteamo e outros alguns.
Autor: Tico Oliveira.
Editora: Autografia (2021).
Contato: ticooliveirasoueu (instagran-inbox), ticooliveira@gmail.com, 21 9555-4541 (zap).
Li o livro “Euteamo e outros alguns”, de Tico Oliveira, e, após a leitura, coisas iniciam, outras precipitam e muitas outras entram em suspensão. Não há como passar pelo livro sem perceber que o autor sobe nos ombros de gigantes para alcançar a estatura de sua poesia. Não sei se é verdade, mas isso é o que menos importa: em sua escrita encontrei Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto e, sem dúvida de errar, Chico Buarque de Holanda e Arnaldo Antunes.
O livro é uma homenagem à vida e a poesia é uma festa, onde bebemos, dançamos, cantamos, doemos e, no final, rimos – nem que seja de escárnio ou de deboche. Mais do que necessário para aliviar a “barra pesada” que vivemos: para quem tem amigos, o livro é uma homenagem; para quem tem ou teve amores, o livro oferece “outros alguns”; para quem valoriza o gozo, prazer!
Reclamo a escrita e a publicação deste livro desde que li as primeiras poesias de Tico, há mais ou menos 20 anos, num tabloide feito pelos alunos de Letras da UERJ-FFP. Achei que ele nunca o faria, mas o tempo passou e a hora chegou, essa hora é sempre a-certa. O autor e sua poesia nos lembram da importância de saber jogar com o tempo a nosso favor. Em um mundo acelerado e cansado, a palavra e a preguiça são revolucionárias!
Um pouco do livro (Un peu du livre): Euteamo Não digo euteamo porque não te amo. Euteamo é sagrado. Não parece, mas, para mim, euteamo é uma prece. Dessas que ficam por aí guardadas dentro de cada um, esperando o momento certo de acontecer – e nunca acontecem. Meu euteamo está guardado dentro de mim, bem fundo e manso como o São Francisco, sem risco de secar. O rio é muito grande e, repara, também sabe calar. Meu euteamo fala o tempo todo mais alto quanto mais eu te vejo em silêncio me exigindo palavras. E eu não digo nada. Ou digo euteamo. Numa longa e eterna pausa. Porque euteamo, para mim, já está dito quando acordo, quando me visto, quando saio para o trabalho e encaro a rotina de não dizer euteamo para mais ninguém, só para você. Esse euteamo gasto que vivem por aí a dizer eu não digo. E digo mais: repudio. O que entrego diariamente a você é mais sincero, mais honesto e amigo, está a salvo da moda, do medo e do fastio, está aqui, calado aos ouvidos: Euteamo, euteamo, euteamo. Assim, repetido, mas dentro de mim, sem que você ouça, preservado do mundo. Euteamo calado. Para ouvi-lo, olha para dentro de mim. Meu euteamo não entra pelo ouvido, mas pelos olhos, pelos poros, pela pele. Não é claro, é implícito. Sinta meu euteamo no toque, no arrepio, no cheiro, no som, no seu íntimo. Meu euteamo é calado. Do contrário, pareceria falso. Como se, fingindo, fosse necessário. Ele não é. E por ser muito e intenso, é raro. Meu euteamo é e deve ser assim, impalpável, inaudível. Quando muito, sussurrado. Eu te amo e não digo a você. E por não o dizer, está compreendido. Está falado.
Tico Oliveira
Um texto inédito (un texte inédit:
"A galinha ama o ovo. Ela não sabe que existe o ovo. Se soubesse que tem em si mesma o ovo, perderia o estado de galinha. Ser galinha é a sobrevivência da galinha. Sobreviver é a salvação." (C.L.)
outro ovo de novo
como o mundo
o ovo é óbvio,
ela disse
e ali abriu-se
o novo
pelo ovo de Clarice
de repente
("não mais que de repente")
óbvio e novo
lá estava o ovo
chocando a serpente
contrito e confuso
poucos segundos me foram o suficiente:
havia um ovo, um novo alvoroço
ali na minha frente
tudo o que era passado
(antes ausente)
fez morada por dentro daquela casca
(a casa surpreendente):
e eu, na clausura em que me resguardara
choquei perguntas várias
àquela altura pertinentes:
seria a literatura espécie rara
do (n)ovo presente?
seria eu, com essa pele parca
do novo seu oponente?
que arquitetura simples
(dir-se-ia avara)
molda o ovo e o novo
dentro da gente?
há, fora da casca de noz
(e além de bilhões de galáxias e sóis)
outra coisa que não nos deixa ir
além de nós
limitando-nos para sempre?
seríamos, portanto
o centro de algo pré e pós
receptáculo de algo silente?
voo da mente pausa
pousa o olho no então surpreendente
o ovo
o ovo sobre a mesa
não traz nenhuma certeza
choca um dilema que é mero pastiche
o ovo
resposta ou problema
atravessa meu limite
sou poeta
escrevo apenas
(de novo)
entre a clara e a gema
das palavras de Clarice
Tico Oliveira
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